10 músicas para enquanto se vive a quarentena

*por Ana Clara Fonseca

“O mundo está agora em suspensão. E não sei se vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos. É como um anzol nos puxando para a consciência. Um tranco para olharmos para o que realmente importa.” Ailton Krenak

Não é novidade que a quarentena nos deixou em um ambiente propício para filosofarmos sobre a nossa vida e o que estamos fazendo dela. Já dizia Friedrich Nietzsche: “A arte existe para que a realidade não nos destrua”, e talvez esse seja o momento de nos depararmos com a veracidade dessas palavras. Uma normalidade que foi transformada e precisa ser adaptada, e para que esse ajuste aconteça, só depende de ninguém menos que nós mesmos. E o que podemos fazer senão aprender a lidar com a solidão, a saudade, as dores, e os medos que agora nos afrontam? A música pode ser uma grande ajudante nesse processo de confinamento no mais profundo de nosso ser.

Oração – A Banda Mais Bonita da Cidade
A música foi lançada em 2011 e a Banda Mais Bonita da Cidade ficou conhecida quando o clipe de “Oração” foi publicado na internet. Em apenas oito versos e poucos dias desde sua publicação, a música tocou mais de 15 milhões de corações em todo o mundo. Talvez não somente pela simplicidade da letra, mas pelo aconchego e identificação que o clipe também carrega. Como em uma oração, poucos versos repetidos por diversas vezes, a música traz o tom da alegria, do amor e dos laços infindáveis. As orações aumentaram nesses dias de reclusão e essa pode ser mais uma para nos acompanhar nessa longa estrada de incertezas. O vídeo é gravado em um casarão e começa com Léo Fressato na janela cantando versos (talvez tristes) para um amor nostálgico. E o desenrolar da letra acontece em cada cômodo da casa, a mesma oração se transforma e atinge outras interpretações. Com alegria, com tristeza, com saudosismo, com angústia, e, principalmente ao final, com sorrisos nos rostos.

Anjo Querubim – Martins
O cantor e compositor Martins publicou recentemente em seu canal do Youtube um vídeo cantando a música de Petrúcio Amorim, lançada em 2006. Martins reúne em nova versão de “Anjo Querubim” um ar de leveza e simplicidade, fazendo caber muito bem nos dias de quarentena. É impossível não sorrir enquanto a canção se desenrola. Chega para dizer quantas emoções podem caber na saudade. A música marca as festas de São João, ainda muito tradicionais em algumas regiões do país, e que este ano deixaram a desejar. “Meu baião, coração/ Arranca essa dor do meu peito, pra eu não chorar” é uma conversa cheia de saudades com os momentos de celebração. A nova versão de “Anjo Querubim” é acalanto.

Rondó do Capitão – Secos e Molhados
É poema escrito por Manuel Bandeira e musicado por João Ricardo para o álbum de 1973 do Secos e Molhados. A música pode ressoar no presente como prece, entoando a esperança e a coragem que carregamos nesses dias. É uma delícia ouvi-la fechando os olhos e liberando o que há guardado, apertando. Escrito em 1940, época de ditadura Vargas e, quando musicalizada, época de ditadura militar, “Senhor Capitão” é a figura da crítica política sendo reforçada, e em dias atuais se torna quase verso irônico ao governo brasileiro. Seguimos vivendo na busca pela leveza dessa esperança que agora nos pesa tanto o peito. Em apenas um minuto de canção podemos talvez encontrar forças para seguirmos nos dias que já se perderam no calendário.

Só chamei porque te amo – Gilberto Gil
Não podia deixar de fora Gilberto Gil para falar de saudade, sentimento mais afinco em momentos como esse. A música foi lançada em 1987, é uma versão para “I just called to say I love you”, de Stevie Wonder: “Nenhuma múmia se mexeu/ Nenhum milagre na ciência aconteceu/ Nenhum motivo, nem razão/ Quando a saudade vem não tem explicação”. Versos que carregam muito do significado do que realmente importa e que estamos aprendendo a cada hora que se passa nesses dias de quarentena. Na moradia que é o nosso coração, onde estão as respostas que tanto buscamos. A música ainda carrega o tom brega do amor, mas quem não está agora sentindo falta desse amor meio cafona?

Chora o menino – Phill Veras
A música compõe o álbum “Alma”, de Phill Veras, lançado em 2018. Em poucos versos, traz intensidade e momentos para reflexão. Tristeza é um sentimento presente, nunca só, e muitas vezes não estamos preparados para senti-la de fato. É preciso trazê-la para perto, e “Chora o menino” é um convite para olharmos para essa dor, para ecoarmos sobre o nosso lugar e valorizarmos esse espaço e tempo que ocupamos. Mais ainda, os pequenos versos podem trazer o sentimento da empatia, chamando a olhar para a dor do outro, dos tantos outros. Ouvir Phill Veras é quase uma solicitação a sentir.

Azul da cor do mar – Liniker
Lançado em 1970, o clássico de Tim Maia é escancarado em beleza na nova versão de Liniker. Essa música vem para inundar os corações e transbordar nos rios que desaguam no mar de sentimentos. A canção consegue tirar a dor do peito que anda apertado nesses dias, seja de medo, seja de saudade, e se transforma em lágrimas ou risos intensos. O vídeo ainda é gravado com toda a simplicidade carregada no ficar em casa, traz para perto e abraça forte. Todos precisamos ouvir “Azul da cor do mar”, ainda mais na voz e violão de Liniker.

Banho de Folhas – Luedji Luna
É música colorida para os dias cinzas. “Banho de Folhas” foi lançada em 2018 e, quando tocada, nos faz relembrar o calor do povo brasileiro, da nossa cultura e tradições. Dias quentes, ruas cheias, festas sem fim. “Banho de Folhas” é clamor por dias melhores, além de falar sobre um amor que anda por aí e que não cansamos de buscá-lo. A canção é um ótimo convite para abrir espaço na casa e dançar, seja como for. O clipe ainda carrega toda a diversidade e alegria que nos andam apagadas em dias atuais, mas que precisam ser resgatadas hora ou outra dentro da gente. Porém, é possível que as imagens do vídeo tragam uma certa nostalgia pela beleza exuberante dos lugares, pela cidade cheia, e as pessoas reunidas.

Samba de todas as crenças – Igor de Carvalho
Poderia ser até uma análise da situação que nos encontramos em uma pandemia. “Samba de todas as crenças” foi lançada em 2014 e cabe muito bem aos dias atuais. Quem poderá nos salvar de tais circunstâncias? A música é protesto às várias crenças e a fé que carregamos, esperando respostas. “A fé que depositei em ti, tá grudada em mim”. Seguimos nas rezas que nos restam nessa súplica de Igor de Carvalho. “’Ganesha’, vê se deixa ‘Zeus’ na paz de ‘Oxalá’, e olha lá, que depois dele é tu/ Que vai ficar com ‘Deus menino’, depois que ‘olodumare’ cochilar, vai trabalhar/ Pra resolver a vida de quem sofre/ Pra ver que por aqui tá mais difícil pros que insiste em respirar”. O vírus que chegou para fazer testarmo-nos em diversos sentidos o que é viver de fato. Onde enfim encontraremos todas as respostas?

Aos olhos de uma criança – Emicida
Ninguém melhor do que Emicida para falar sobre a realidade, e não podia deixá-lo de fora dessa lista. “Aos olhos de uma criança” foi lançado em 2013, como tema da animação brasileira “O menino e o mundo”, de Alê Abreu, que concorreu ao Oscar em 2016. Emicida coloca em poesia o inconsciente de uma criança se misturando com as dores e delícias dos dias. Nada melhor para nos fazer olhar para uma nova transformação de mundo, na visão de uma criança, com leveza, inocência e muito mais coragem. Nesse mundo que nos amedronta e fascina, a letra de Emicida fala sobre viver em uma selva de pedras e segura-se nas folhas que são carregadas pelo vento. É preciso que, em algum momento, olhemos como uma criança para o espaço pequenino em que estamos, para os dias que parecem não passar, para as horas infinitas. Talvez só assim nos esqueceremos, mesmo que por um breve momento, das grandes aflições.

Culpa – O Terno
Essa é das minhas músicas preferidas da banda O Terno. Lançada em 2016, a letra é filosofia musicalizada. Em um sinal cômico, traz a crítica irônica a essas culpas que carregamos, seja por motivos banais ou não. Quem foi que nos colocou essa culpa? Culpa por estar triste, por estar muito feliz, culpa pela presença, pela ausência. Apenas culpa. É um convite para rir, para refletir, para se livrar de culpas. Aliás, a banda O Terno é uma forma simples de pensarmos sobre o nosso lugar no mundo, sobre o que nos foi implantado como padrões e os tantos porquês que nos rondam. As dicas estão dadas e desejo que as desfrutem com ouvidos próprios e únicos. Que tirem as suas observações e deixem os sentimentos que cada uma traz exteriorizar-se.

“Amanhã há de ser outro dia” Chico Buarque de Hollanda

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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