10 músicas de Billy Blanco: da bossa nova ao sambalanço

“Ela é minha Tereza da praia!
Se ela é tua, é minha também.
O verão passou todo comigo.
Mas o inverno pergunta com quem?” Billy Blanco e Tom Jobim

Billy-Blanco

Se alguém disser de certo William Blanco, paraense da capital Belém, formado em arquitetura, poucos ligarão o nome à pessoa. Até por que Billy Blanco não era acostumado ao óbvio. Dono de uma dicção única na canção popular, tornou-se peça fundamental no quebra-cabeça da bossa nova, do sambalanço e do modo de falar carioca. Teve sucessos gravados por Dick Farney, Lúcio Alves, Dolores Duran, Isaurinha Garcia, Silvio Caldas, isto sem falar nas diversas regravações por nomes da geração posterior, como Elza Soares, Caetano Veloso e Roberto Carlos, só para citar alguns. Mas Billy Blanco foi, sobretudo, um homem da música do povo, que observou como poucos seus trejeitos e costumes, e a quem lançava um olhar carinhoso, crítico ou exaltado.

Estatutos de Gafieira (1953) – Billy Blanco
A história de Billy Blanco é parecida com a de milhões de brasileiros. O homem que vem do norte tentar a sorte no Rio de Janeiro. Antes, porém, passou em São Paulo, onde começa o curso de arquitetura. Já na capital carioca é que Billy estende os contatos musicais e sua carreira começa a deslanchar. Quando em 1953, Inezita Barroso gravou a composição “Estatutos de Gafieira” pela primeira vez, Linda Batista já havia registrado, um ano antes, “Prece de um sambista”, para homenagear Francisco Alves. Mas os conselhos dados por Billy de maneira descolada e inteligente surtiriam tamanho efeito na cabeça dos brasileiros que as mais variadas vertentes musicais a regravariam, passando por Jorge Veiga e Elza Soares. O que só ratifica o poder de alcance da música.

Tereza da Praia (1954) – Billy Blanco e Tom Jobim
Billy Blanco e Tom Jobim eram então dois rapazes quando foram encarregados de compor a “Sinfonia do Rio de Janeiro”, que contou com a participação de Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Nora Ney, Jorge Goulart, ‘Os Cariocas’, Dóris Monteiro, Dick Farney, os arranjos de Radamés Gnattali e outros. O sucesso foi tanto que a gravadora ‘Continental’, da qual faziam parte, logo os convocou para outro projeto ambicioso: criar uma canção que unisse Lúcio Alves e Dick Farney, tidos como rivais pelos fãs mais exaltados. Assim surgiu “Tereza da Praia”, uma das mais emblemáticas canções do período pré-bossa nova e que soube traduzir, como poucas, o charme e a simbiose entre Lúcio e Dick Farney. Lançada em 1954, teve regravação da dupla Caetano Veloso e Roberto Carlos.

Mocinho bonito (1956) – Billy Blanco
Em 1956, quando Dóris Monteiro gravou “Mocinho bonito”, Billy Blanco já era um compositor reconhecido e, inclusive, premiado. Recebera, um ano antes, o troféu ‘Disco de Ouro’ pela “Sinfonia do Rio de Janeiro”, com Tom Jobim, que inclusive serviria ao filme ‘Esse Rio Que Eu Amo’, de Carlos Hugo Christensen e também ao musical dirigido por Carlos Machado. Regravado por Isaurinha Garcia e vários outros, o samba balançado já característico de Billy Blanco versa sobre um personagem típico do Rio de Janeiro, entre a crítica e o deboche. O autor deixa explícito o quanto ainda vale o eterno ditado: as aparências enganam. Afinal: “Mocinho bonito/Perfeito improviso do falso grã-fino/No corpo é atleta, no crânio é menino/Que além do a, b, c, nada mais aprendeu”.

Pano Legal (1956) – Billy Blanco
Billy Blanco e Dolores Duran foram namorados. A relação conjugal durou seis meses, mas a da música ficou para a eternidade. Os dois se conheceram na noite carioca, na boemia que tanto os encantava. Por essa feita, uniram lápis, voz e os lábios. Dolores foi uma das cantoras que mais e melhor interpretou Billy Blanco, tanto nas festivas canções sobre gafieira e boate que faziam troça dos tipos falsos, quanto nas românticas que precederiam a bossa nova. Em 1956, “Pano Legal”, uma das primeiras, fez enorme sucesso no rádio. A música, com aquela aparente simplicidade que costumava acompanhar Billy Blanco, trazia uma crítica feroz à elite carioca e a tentativa de abafar a cultura local da camada mais pobre da sociedade. Dolores contorna como ninguém todas as ironias da canção e finaliza: “Se eu soubesse também, como era o ambiente, decente/Jogava um pano legal, por cima de mim…”.

Estatuto de Boite (1957) – Billy Blanco
Billy Blanco pode ser comparado àquele jogador de futebol que todos conhecem o drible, mas ainda assim, caem. Afinal de contas é impossível não cair no balanço de “Estatuto de Boite”, também lançado por Dolores Duran em 1957. A canção traça um perfeito retrato do ambiente e das confusões que ali acontecem. Além da ressaca no dia seguinte, das brigas entre amigos por causa de mulheres e da moral vigente naqueles tempos, o que emerge de mais este samba de Billy Blanco é a capacidade para captar um momento que revela muito do cotidiano e da vida de cidadãos comuns, com sentimentos e atitudes tão característicos e universais que permanecem frescos na atualidade. Outro fato curioso captado por Blanco é a maneira estrangeirada com que se falava “boate” na época.

Não vou pra Brasília (1957) – Billy Blanco
Em 1957, com o mineiro Juscelino Kubitschek na Presidência do Brasil, incentivava-se a migração para Brasília, arquitetada e construída para ser a nova capital federal do país, símbolo de modernidade e arejamento. Porém uma medida antiga e retrógada tomada pelo governo atingiu diretamente a Billy Blanco. Insatisfeito com o processo que se instaurava, Billy compôs a crítica “Não vou pra Brasília”, gravada pelo conjunto ‘Os Cariocas’, em que comparava a tentativa de forçar a migração ao que fora feito, de forma violenta e covarde, com os índios que aqui estavam antes da chegada dos portugueses. A canção, no entanto, acabou censurada por contrariar, justamente, a propaganda do Estado. Mas Billy fincou pé, e permaneceu em Copacabana, com sua música e seu balanço.

Viva meu Samba (1958) – Billy Blanco
“Viva meu Samba”, lançado em 1958 por Silvio Caldas, transformou-se no que se pode chamar de hino do gênero. Com acompanhamento do maestro Radamés Gnattali, o próprio autor, Billy Blanco, regravaria a música posteriormente. Entre as diversas regravações destacam-se também as de Jair Rodrigues, Dolores Duran e Roberto Ribeiro. A música trata em seus versos de exaltar o ritmo através dos seus instrumentos, como uma ode aos violões, tamborins, pandeiros e reco-recos que foram capazes, através do tempo, de eleger o samba como a mais genuína forma de expressão do povo brasileiro, suas origens e esperanças. “Viva meu samba verdadeiro/Porque tem teleco…”.

Camelô (1959) – Billy Blanco
1959 marca o auge da carreira do paraense Billy Blanco, consolidado no Rio de Janeiro, mas que também homenagearia São Paulo com a ‘Sinfonia Paulistana’, outra de enorme sucesso. No entanto ele não largava o olhar da camada que o interessava na sociedade, o trabalhador comum, operário, simples, nunca lembrado para homenagear ruas e avenidas, mas sempre chamado quando da construção das cidades. “Camelô”, outro de seus sambas lançado por Dolores Duran, traz à tona este personagem tão comum nas grandes cidades, que decide se virar por conta própria com os meios que dispõe. “Ele é vesgo/Pois a profissão ensina/A ter um olho na esquina/E outro olho no freguês”, retrata Billy com todo seu suingue e humor.

A banca do distinto (1959) – Billy Blanco
“A banca do distinto” possui uma das histórias mais comentadas da música brasileira, afinal trata-se de episódio verídico. Dolores Duran se apresentava numa boate, e todas as noites um sujeito engomado que se recusava a ficar de frente para o palco a tratava por ‘neguinha’, exigindo que outros garçons fizessem o pedido da música que queria ouvir, afinal não se comunicava com pessoas da cor negra e se recusava a segurar embrulhos, exigindo que o mesmo garçom levasse o seu sanduíche até o carro. A resposta para o preconceito e a ignorância veio na forma de música, com a inteligência de Billy Blanco, que era definitivo: “O enfarte lhe pega, doutor/E acaba essa banca/A vaidade é assim, põe o bobo no alto/E retira a escada/Mas fica por perto esperando sentada/Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão/Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal/Todo mundo é igual quando a vida termina/Com terra em cima e na horizontal”. Certo é que Billy Blanco, Dolores Duran e a música permanecem.

Pistom de Gafieira (1959) – Billy Blanco
Em 1959, fechando a década de 50, após um sem número de sucessos que começaram em 1953, Billy Blanco recebeu o convite para gravar os seus próprios sambas, na respeitadíssima gravadora Elenco, com arranjos de Oscar Castro Neves. Era o coroamento da carreira do compositor que se revelaria, a partir daí, também como cantor. Neste mesmo ano Billy lançou, pela voz de Silvio Caldas, uma música que certamente está entre as mais regravadas. “Pistom de Gafieira” recebeu durante os anos as vozes de Jorge Veiga, Moreira da Silva, Zeca Pagodinho, Toquinho, Marcelo D2, Jards Macalé, e vários outros que representam os mais variados estilos e gêneros da música brasileira. O que vem a reforçar o fato de que Billy, paraense de conjunto arquitetônico erigido no Rio de Janeiro, com vivas a São Paulo e cantado no Brasil inteiro é a cara de qualquer terreiro. “Na gafieira segue o baile calmamente/Com muita gente dando volta no salão…”.

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Raphael Vidigal

Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 23/11/2014.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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