10 músicas brasileiras para mulheres empoderadas

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” Rosa Luxemburgo

No Dia Internacional da Mulher, a Esquina Musical convidou mulheres para escreverem sobre músicas com as quais elas se sentem representadas. A diversidade da seleção contempla a própria amplitude da música brasileira nesse sentido e, claro, as milhares de maneiras que as mulheres têm de se expressar através da música, passando pelo pioneirismo de Rita e Gal nos anos 80 até a tomada de posição e a consolidação nesse cenário de nomes como Iza, Céu e Tulipa Ruiz. A seguir, nossas colaboradoras refletem sobre todas essas músicas.

*por Amanda Maciel

“Dona de Mim” (pop, 2018) – Arthur Marques
Em homenagem ao Dia das Mulheres, a música “Dona de mim”, originalmente interpretada pela cantora Iza, ganhará nova versão, em um projeto envolvendo nomes como Marvvila, Urias, Majur, Mariah Nala, Luanda Prado e Negra Li. O lançamento é uma parceria da Warner Bros e da rede social TIK TOK, que lançou a hashtag #soudona como forma de difundir os preceitos de empoderamento e protagonismo feminino, marcas da canção. Lançada em 2018, a faixa deu nome ao primeiro álbum de estúdio de Iza, que já havia estourado com o hit “Pesadão”.

A cantora ocupou um espaço aberto como artista negra e empoderada, obtendo sucesso ao trazer para músicas pop – cercadas de superproduções, coreografias e clipes –, um viés político, com referências à negritude e ao feminismo. Os versos de valorização da mulher “Sei do meu valor e a cotação é dólar”, e de mudanças de padrão, caso de “Sempre fiquei quieta, agora vou falar/ Se você tem boca aprende a usar”, ecoam nas mentes de muitas de nós. A primeira vez que ouvi “Dona de Mim” fiquei com vontade de sair cantando a música pelo mundo afora, pois me senti representada por seu discurso libertador.

*por Ana Clara Fonseca

“Vaca Profana” (MPB, 1984) – Caetano Veloso
“Vaca Profana” foi escrita por Caetano Veloso a pedido de Gal Costa. A música entrou para o álbum “Profana”, lançado pela cantora em 1984. Censurada por ferir a moral e os bons costumes, de acordo com a Divisão de Censura de Diversões Públicas, “Vaca Profana” é o próprio enigma posto sobre as mulheres pelo mundo. Fazendo uma analogia ao que é considerado sagrado e profano, a letra faz uma crítica que vai desde os dogmas religiosos até as diversas culturas, mas sempre ligada a uma única identidade: A mulher.

Caetano colocou Gal no centro da canção, que fala sobre tudo aquilo que ela não era permitida a ser aos olhos e bocas de muitos que seguiam o jeito tradicional da família brasileira. A música fala sobre a mulher sagrada, aquela que nutre do melhor alimento, que gera, que cria e coloca seus cornos para fora e acima da manada. Neste gerar e nutrir há um enorme precipício de silenciamentos aos quais fomos submetidas, sobre nossos corpos e nossa voz. “Vaca” carrega todo o peso já conceituado de ofensa às mulheres ditas profanas pelos próprios caretas. Mas contrariando o que está imposto, Caetano une o sagrado ao profano em uma mesma figura. Vaca e Mulher como seres semelhantes, animais, matrizes. Que vacas profanas, com suas divinas tetas, continuem derramando o leite mau sobre os caretas…

“Mulher do Fim do Mundo” (vanguarda paulista, 2015) – Alice Coutinho e Rômulo Fróes
“Para o feminismo ser relevante, ele precisa ser antirracista e incluir todas as mulheres das mais diversas esferas”, disse Ângela Davis. “Mulher do Fim do Mundo” é a música que leva o nome do 34° álbum de Elza Soares, lançado em 2015. Elza, ao contar sobre sua própria história de superação e sobrevivência, fala em nome de tantas outras mulheres, das mulheres negras. Unindo o carnaval, a maior festa brasileira, a 54% da população negra do Brasil, Elza Soares canta com maestria a síntese da mulher negra em meio à multidão, invisível solidão.

Àquelas que seguem em um fluxo onde o choro não é sentido, a voz não é ouvida, e o sofrimento vira samba. Não há força suficiente que aguente tamanho pisoteio, há um corpo ferido enquanto resiste e tenta se encontrar em meio ao caos, há a mulher do fim do mundo, que ergue e se reencontra no dia a dia. “Meu choro não é nada além de carnaval/ É lágrima de samba na ponta dos pés/ A multidão avança como vendaval/ Me joga na avenida que não sei qual é”. Não se pode falar sobre empoderamento e liberdade da mulher sem inter-relacionar questões de etnia e classe social. As mulheres negras passam pela tripla discriminação: mulher, negra, e pobre.

“Triste, Louca ou Má” (MPB, 2016) – Juliana Strassacapa
“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância”, escreveu a filósofa francesa Simone de Beauvoir, uma das principais teóricas do Movimento Feminista. Juliana Strassacapa é compositora e cantora de uma das músicas de maior alcance da banda Francisco El Hombre.

A canção é quase um manifesto ao direito de ser das mulheres. Parte do álbum “Soltasbruxa”, lançado em 2016, a música ganhou um videoclipe gravado durante a turnê da banda em Cuba. Com uma beleza exuberante em sonoridade e performance, a dança de mulheres que fogem aos padrões impostos em um cenário que quase fala sobre liberdade, solidão e identificação, representam a unicidade de cada uma de nós. A composição de Juliana grita contra as culpas que carregamos, a repetição incansável dos relacionamentos que nos calam, contra o trabalho maçante e invisível que nos fora imposto, e a submissão.

“Você é seu próprio lar” toca nos corações calejados de nós mulheres, entregues demasiadamente a sermos o que querem que sejamos. Não há emocional sozinho que suporte o peso de ser submetida ao não olhar para si. Se a liberdade é palavra que ninguém pode explicar ou entender, segundo Cecília Meireles, ouso dizer que a liberdade das mulheres, aquela mínima, pode e deve ser explicada com vozes femininas, em alto e bom som!

*por Camila de Ávila

“Pagu” (rock, 2000) – Rita Lee e Zélia Duncan
Essa coisa que a Adélia Prado fala funciona para mim como um mantra. “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou”. Eu sou mesmo, sabe? Cada dia invento uma moda e adoro viver de forma plena. Só deixo de ir ao samba por causa da pandemia e não me acho feia demais e nem bonita demais. Sou aceitável (risos). Adélia me ensina muito nos versos de seu poema “Com licença poética”. Outra mulher que me ensina muito é a Rita Lee. Escolhi aqui algumas canções da mais perfeita tradução de Sampa para tentar explicar, e também entender, o que é ser mulher. A gente aprende todo dia a ser.

Interpretada lindamente por Maria Rita (acho a melhor versão, mesmo a gravação do disco de 2003 tendo alguns erros na letra), a canção “Pagu”, parceria de Rita Lee com Zélia Duncan, foi cantada por Rita no álbum “3001”, lançado no ano 2000. O nome da canção remete a Patrícia Galvão (1910 -1962), a Pagu, que foi uma escritora, poetisa, diretora, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista, militante política e uma das primeiras presas políticas do país. A canção fala das bruxas queimadas na inquisição (da qual todas as feministas são netas), e evoca o papel da mulher ser dona da sua vida e decisões, inclusive do seu tanque (que pode ser o de roupa ou de batalha).

Super atual, a canção fala dessa coisa da mulher objeto, daquela que é vista apenas como um peito, uma bunda. E se coloca de forma bem divertida que é “mais macho que muito homem”. Acho esse verso muito bom. Ao lançar tal frase, Rita e Zélia afirmam que a mulher é forte em todos os sentidos.

“Cor de Rosa-Choque” (pop, 1982) – Rita Lee e Roberto de Carvalho
Alguns anos antes, 18 anos para ser precisa, em 1982, Rita Lee compôs, junto de seu companheiro de vida, Roberto de Carvalho, “Cor de Rosa-Choque”. Um dos versos mais fortes do cancioneiro feminista, para mim, está nesta canção: “Sexo frágil, não foge à luta”. Sim, Rita está corretíssima, as mulheres são conhecidas pela alcunha de sexo frágil. Dizem que somos sensíveis, o que para muitos é sinônimo de fraqueza. Rita explica muito bem, né? Não provoque aquelas pessoas que têm a cor rosa-choque como “símbolo”. De gata borralheira para princesa, Rita afirma que não somos dondocas, não somos especialistas em ser a fonte de prazer masculina, somos a bela e a fera, e muito além do sorriso da Monalisa, temos um sexto sentido e carregamos a vida. Quer mais?

“Todas as Mulheres do Mundo” (rock, 1993) – Rita Lee
Tá bom. Em 1993, Rita lança no álbum “Rita Lee”, a canção “Todas as Mulheres do Mundo”. Elas querem é poder! Assim começa a canção que faz uma lista de mulheres fenomenais, que vão de santas, passando por atrizes e jornalistas, poetas e políticas, todas estão representadas na canção. O refrão da música vai ao ponto exato do que a mulher quer, coisas simples: amadas e felizes. Nada além do que qualquer pessoa deseja. A mulher quer ter espaço, equidade, igualdade, respeito. A mulher quer ser o que ela quiser ser. Ok?

*por Tereza Meireles

“Da Menina” (MPB, 2010) – Tulipa Ruiz
Os padrões estéticos impostos pela sociedade interferem de forma negativa na vida das mulheres e na aceitação de sua imagem. A música “Da Menina”, de Tulipa Ruiz, fala sobre autoconhecimento, da mulher se sentir representada e satisfeita com seu corpo. Versos como “Pinta a boca e beija o espelho/ Que reflete a silhueta que você acabou de descobrir”, nos convidam a olhar para dentro e para o espelho, para apreciar nosso corpo sem preconceitos e padrões, entendendo que somos únicas e diferentes umas das outras. E que a beleza está justamente nessa diversidade.

“Ocitocina” (MPB eletrônica, 2019) – Céu, Pupillo e Hervé Salters
Na música “Ocitocina”, a cantora Céu utiliza sua experiência de parto para dar um recado para a sociedade: “Continentada em minhas regras/ Meu corpo, meu rolê”. As mulheres são cobradas diante de vários assuntos, e a maternidade é um deles. As mulheres têm o direito de escolher se querem ou não ser mães, de como será o parto ou a criação das crianças, e essas escolhas não devem estar sob o julgamento da sociedade. A música foi lançada no disco “APKÁ!”, de 2019.

“Maria Bonita” (pop, 2019) – MC Tha
As mulheres ainda são vistas por muitos como frágeis, mas Mc Tha se utiliza da imagem de Maria Bonita do cangaço para mostrar o contrário, que a mulher é valente e guerreira. Um chamado para as mulheres serem felizes e o que elas quiserem, subvertendo costumes impostos pela sociedade patriarcal. “Subverta o resto de tudo/ Viva ou não por um triz/ Com o punhal na mão/ Malícia no coração/ Seja mais que feliz”. Escutar músicas feitas por mulheres é uma forma de valorizar o trabalho feminino e também de refletir sobre o feminismo e o machismo. Revoluções e aprendizados são diários, e mulheres que conseguem passar mensagens importantes para outras mulheres (e homens) por meio de sua arte, são peças fundamentais para o fortalecimento das pautas feministas.

Foto: Alexandre Durão/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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