10 faces artísticas do inesquecível Ivon Curi

“Acaso será que existe um autor capaz de indicar ‘como’ e ‘por que’ uma personagem lhe nasceu na fantasia? O mistério da criação artística é idêntico ao do nascimento natural” Luigi Pirandello

Ivon Curi já era, na década de 50, o que hoje se costuma chamar de artista plural. Além de cantar em vários idiomas, ele era capaz de interpretar – tanto na música, quanto no cinema – da comédia ao drama. Nessa dobradinha, sempre levava uma arte para a outra, ou seja, atuava musicalmente e cantava com dramaticidade. Mineiro de Caxambu, Ivon logo migrou para o Rio de Janeiro, então grande meca da cultura nacional. O legado, para além dos sucessos, foi a grandeza de carregar a sátira, a brincadeira e a impertinência charmosa para patamares, até então, jamais explorados. Gravou, ao todo, mais de 50 discos.

Família (1947)
O tino para a comunicação sempre esteve presente na família de Ivon. Irmão do locutor esportivo Jorge Curi e do radialista Alberto Curi, ele estreou como cantor em 1947, como crooner da requisitada orquestra do maestro Zaccarias, no Hotel Copacabana Palace. Um ano depois, já era ouvido na Rádio Nacional, onde deu o ar de sua graça no programa “Ritmos da Panair”. Além do talento nato para a interpretação, Ivon sabia compor, como comprovam dois sucessos: a valsa “João Bobo”, de 1953, e a melodramática “Retrato de Maria”, lançada em 1959.

TV Tupi (1950)
Sob a direção de Cassiano Gabus Mendes, dois jovens atores protagonizaram o primeiro musical da história da televisão brasileira, feito para a TV Tupi, de São Paulo. Eram Ivon Curi e Hebe Camargo. Se em 1950 eles estavam ainda no início de carreira, logo seriam reconhecidos em todo o território nacional. Dois anos antes, Ivon já havia participado da chanchada “É Com Esse Que Eu Vou”. Ele atuaria em vários filmes do gênero ao longo da década, como “Aviso aos Navegantes”, “É Fogo na Roupa”, “Depois Eu Conto” e outros, em que contracenava com Zé Trindade, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e mais feras.

Xote (1953)
Como cantor, Ivon fazia um tipo único, que misturava humor e musicalidade com rara eficácia. Ainda hoje, é difícil encontrar na música brasileira algum discípulo de seu estilo teatral, talvez perceptível apenas, em alguma medida, na persona de Eduardo Dussek. Em 1953, Ivon gravou uma série de xotes de sucesso. A malícia das canções era sublinhada pelas pausas dramáticas do cantor-ator, que lançou, por exemplo, “O Xote das Meninas” (Zé Dantas e Luiz Gonzaga), “Farinhada” (Zé Dantas), “Tá Fartando Coisa em Mim” (com Humberto Teixeira) e “Forró do Beliscão” (João do Vale).

Chanson (1954)
Do garoto que idolatrava Jean Sablon ao homem que estreou, em 1993, “A França e Quinze Saudades”, o último espetáculo de sua carreira, permanecia o amor pela canção francesa, mais especificamente as chamadas cançonetas. Essa adoração levou Ivon a registrar um sem número de títulos em francês, o que lhe transformou numa espécie de chansoniére tupiniquim. Entre as canções mais emblemáticas gravadas por Ivon figuram “C’est Si Bon” (Charles Trenet) e “Sob o Céu de Paris”, numa versão de O. Quirino.

Trapalhões (1966)
Da primeira formação de “Os Trapalhões” permaneceu apenas Renato Aragão. Antes de se consagrar ao lado de Dedé, Mussum e Zacarias, o comediante teve outras companhias, entre elas, a de Ivon Curi. Lançado em 1966, o programa, que então se chamava “Os Adoráveis Trapalhões”, ainda trazia no elenco o cantor Wanderley Cardoso e o lutador de telecatch Ted Boy Marino. A atração ficou no ar apenas naquele ano.

Aristogatas (1971)
O elenco nacional escalado para a versão dublada da animação “Aristogatas” era de fazer inveja a qualquer pátria. Na dublagem, nomes como o sambista Monsueto e o comediante Orlando Drummond, eternamente conhecido pelo papel de Seu Peru na Escolinha do Professor Raimundo. Pois não parava por aí, a trilha sonora tinha Dóris Monteiro e MPB-4. Para completar, ficou a cargo de Ivon Curi cantar a música de abertura, entremeando os dois idiomas de sua predileção: francês e português.

Feijão Maravilha (1979)
A telenovela “Feijão Maravilha” era uma comédia romântica, inspirada pelas tradicionais chanchadas da produtora Atlântida Cinematográfica. Logo, não poderia faltar no elenco um dos principais nomes desse período de glória do cinema nacional, principalmente em termos de público. Ivon Curi foi escalado para viver o príncipe árabe Rashid, que vinha ao Brasil na tentativa de contratar o jogador Zico. Como de costume, o múltiplo artista estava impagável.

A Bela e a Fera (1991)
Depois do auge das chanchadas, Ivon retornou ao cinema em grande estilo na década de 1980, quando seu tipo aristocrático e abobalhado foi reproduzido em dois icônicos filmes dirigidos por Ivan Cardoso: “As Sete Vampiras” e “O Escorpião Escarlate”. Mas foi, novamente, graças a sua voz, que ele alcançou o seu papel de maior êxito na sétima arte. Em 1991, Ivon dublou a personagem Lumière na animação “A Bela e a Fera”, produzida pelos estúdios Disney. Como a vela do desenho, ele também cantava algumas canções.

Escolinha do Professor Raimundo (1991)
Ivon descobriu a calvície ainda cedo, na adolescência, mas só a assumiu em sua maturidade. Durante toda a vida ele lançou mão de uma peruca, e nunca apareceu em público despido do artifício. A exceção ficou, justamente, para o último papel que interpretou. Em 1991, foi convidado por Chico Anysio, com quem já havia contracenado em “Chico Anysio Show” (1982), para viver o gaúcho Gaudêncio. Além da careca à mostra, um bigode falso dava ares ainda mais caricaturais para a personagem.

Homenagem (2015)
Duas décadas depois da morte de Ivon Curi, o artista virou, novamente, personagem. Na homenagem feita por Fernado Ceylão, tanto o lado musical quanto sua verve cômica tinham igual espaço. A iniciativa, intitulada “O Ator da Canção”, reproduzia nome de disco lançado pelo homenageado, e trazia na direção Lúcio Mauro Filho e Danilo Watanabe. Depois de uma extensa e bem sucedida trajetória, Ivon faleceu em 1995, aos 67 anos, vítima de insuficiência respiratória. Na última entrevista a Jô Soares, em 1988, contou que estava vendendo um aspirador de piscina automático.

Raphael Vidigal

Fotos: Arquivo/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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