Tonico & Tinoco (Sertanejo & Caipira)

Música caipira

O bule entupido de café fervente até a boca. Panela de barro sobre um fogão a lenha, obviamente, queimada. Queijo e goiabada servidos em cima de uma toalha quadriculada. Tradições do interior brasileiro, caipiras.

Não se ouve um barulho sequer enquanto comem, posto que é hora sagrada, apenas a reza que prenuncia o ato. Farelos de fubá, leite grosso, coalhar o dia revolvendo a palha do cigarro, do milharal, espantalho é sinal de cruz para corvos.

“Nesta viola, eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade”

Nesta sina que o caipira traça uma voz, ou melhor, duas vozes são indissociáveis. Juntas às palavras de Deus, da fé, da religião, das mocinhas na porta da igreja, o pecado, o quentão, a festança junina, por que não? A buzina do boi é o mugido, o relinchar do cavalo o tamborila, o berrante é a imitação do apreço semeado dentro.

Tonico & Tinoco, dois rapazes, espertos, vorazes, caçando cobra, mandioca, rapadura, sucesso. Nada é fácil, conseguiram tudo. Mas aos trancos e barrancos escalaram o que foi possível, desceram quando o teto já ultrapassava a altura da escada, é preciso ter humildade para a queda tanto quanto para o salto. Pois tiveram.

“Moreninha linda, do meu bem querer
É triste a saudade longe de você!”

Assimilaram clássicos, essa palavra bonita, empostada, cheia de elegância e chiquesa, no chiqueiro o porco se esbalda na lama, no açude, o peixe de olhos esbugalhados respira, atento aos predadores, aos anzóis, as varas de enganar. Quanta longevidade na estrada, 82 anos são uma vida, pode ser: duas. Morreram cantando como pássaros selvagens, livres, desengaiolados.

Tonico & Tinoco, duas expressões, duas pessoas, dois sonhos, dois irmãos de Botucatu, devotos de São Paulo e do detentor do cajado, Cornélio Pires, carregando no lombo, nas costas, nos ombros, na gibeira, onde fosso, a faca, a viola e os amores; a primeira em tridentes, a segunda entre abraços, e a terceira no livro chamado ‘música popular brasileira’, semeado como batata, raiz debaixo da terra, onde a enxada de tão lancinante e irrepreensível mofo tem o nome ‘coração’.

“Ao vencedor, as batatas!”, sorria Machado de Assis.

“Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu pego no copo e já dou meu taio
Eu chego na venda e dali num saio
Ali memo eu bebo, ali memo eu caio
Só pra carregar nunca dei trabaio, oi lá”

Tonico & Tinoco

Raphael Vidigal

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3 Comentários

  • não sou interiorano nem sou expert em musica caipira, mas venho de família do interior e gosto muito de musica CAIPIRA( arranho até umas musicas numa viola q comprei)…sempre leio alguns textos seus… mas esse me chamou mais atenção, por eu gostar do tinoco e da musica caipira mesmo… mas oq me chamou mais atenção foi a palavra “macaxeira”, (sou quase um analfabeto funcional hiaajiaahuashaa). Essa expressão e utilizada mais fortemento no nordeste, mandioca ficaria algo mais caipira.. Mas um excelente texto..

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  • Postei na sexta de manhãzinha. Foda, vai deixar muitas saudades.

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  • Agradeço aos comentários. Os dois (Tonico e Tinoco) já fazem sentir falta na música sertaneja brasileira.

    Resposta

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Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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