“Tanto o seu estar, rubro e quieto, quanto o meu que se faz e desfaz o ar destas paredes – é queda.” Ferreira Gullar
O jardim dava para a estátua de marfim e ouro. Para onde quer que fosse a estátua parava à frente. Impossível desviar-se daquele caminho. Preso em tal condição, notou, primeiramente, o nariz. Conformava uma insatisfação adolescente, não querendo estar onde jazia a obrigação de fornecer ao corpo o direito de respirar. A rota cíclica da vital atividade trazia um indisfarçável enfado à dona do nariz. Desabafava através das íris.
Estas eram de um verde abacate, algo um tanto inusitado para uma estátua. Acostumado a observar colorações geralmente cinzas, mortas, paralisadas, não teve forças para contentar o espanto que se assombrou sobre sua imagem de respeitável patriarca quando a figura mexeu os olhos. Enfastiados por uma mistura de rebelião e abatimento profundo, os olhos tentavam, em vão, escapar à moldura de cimento e gesso que mantinha a estátua no primeiro ato.
Não foi de primeira que o respeitável patriarca tomou o ímpeto para tocar-lhe os seios. Houve, nesse interstício, imensos tempos de hesitação. Até que a idade entre os dois tornou-se devida (ele agora não se preocupava em ser o pai da menina, mas o amante carinhoso e faminto), e os lençóis brancos cobriram cabeças ondulantes, disparatadas, indevidas, repelindo dúvidas de cimento e certezas de vidro. O barulho furou o umbigo da menina.
Diante dele expeliu-se uma couraça de vime, enxertada por ossos, capim e argila. Tudo o de mais natural sobrepunha-se à indústria que calçou a estátua com telégrafos de amizade e paparicos de horror. O beijo escorreu pegajoso, e a substância continha sêmen, placenta, esterco e urina. O respeitável patriarca bebericou, em seguida mandou para o abdômen de um só gole. A menina ria, rugia, gritava, com os pelos maduros à flor do sol.
Inexistia surpresa quando as acusações começaram. A vizinha tagarelava suspeitas de “dia e mar”. A polícia afirmava tratar-se de gangue de “noite e terra”. Mesmo os parentes restantes, a esposa traída e a filha grávida, concordavam em ligeiro que o caso era “estranho”. No momento do isqueiro o cigarro avançou contra céu e rio, madrugada e manhã, e o homem e a menina voltaram ao jardim trocando juras de amor.
Decidiram remodelar as formas. Ela voltar à estátua era remota possibilidade. Ele como respeitável patriarca já não era visto nem no Vaticano, em Florença, ou Roma. Por um milésimo de extremos segundos, a refratária moral dos tempos abateu-se sobre ambos, que atingidos e pendendo as pernas fizeram de tudo para agarrar-se ao passado. O futuro, sem preconceitos, jorrou a gosma da indiferença e os varreu qual insetos mortos.
No cinema vazio uma lágrima acenou como lenço ao vento.
Raphael Vidigal
2 Comentários
Oi Rapha, tranquilo? Quero ver esse filme. Acho Nastassja Kinski um poço de sensualidade , além de ser talentosa. Mastroianni, sem comentários….
Adoro esse filme!