Teatro: Palácio do Fim

“Casca oca:
a cigarra
cantou-se toda.” Bashô

Camila Morgado

Toma conta a emoção como sola de sapato gasta, essa expressão milenar. Mas é a verdade. Num trabalho convicto, construtivo, gentileza de artesão. Casinha de João de Barro, inspeciona dos gravetos ao pôr do sol (vermelho rubro a chatear).

Os discursos costurados, linha de algodão, plumas de flores brancas, soltas, Deus desunindo todo num só chavão: ‘humano, demasiadamente humano’, pego emprestado o livro empoeirado de Nietzsche, na biblioteca das minhas obsessões. Pesado texto, num pesar Cristo.

Tropas e rojões, florestas, ermitãs, cometas, lãs, nos tiros dum as chagas doutro, a agonia, a deflagração, o degradante, alicate gangrenado na beira do amor de morte, expõe as tripas da sordidez – humana. Catapultas para o inferno, e o inferno são dois olhos amarelos encarando o odor do alho apodrecido, bem de perto bem de verto bem de nojo, agora.

José Wilker assina a direção do teatro escrito por Judith Thompson, canadense, mulher, restrições que ficam à parte no roteiro de belicismo nacionalista e religioso. O óbvio do ridículo é a latente crueldade, capaz de afligir ao comum, semente de todos num podado pé de maçã. Pecado ressuscita imã.

Se a tragédia é um patrimônio mundial, o que dizer às crianças? Fiquem em casa, serenas, sãs, um dia vocês cresceram e avistaram a águia comendo a visão das nuvens, enfiando as garras, beliscando a sábia ignorância. Truman Capote arde nas lembranças de avenidas. Oscar Wilde, como me faz falta nessa hora.

A poesia, a poesia, cadela morta. Camila Morgado deduz descolamento inconveniente, hímen arrancado à fórceps, fora de tom, na masturbação, não a física, mas a mental, excede. Antônio Petrin, a caveira petrificada me mostra os dentes, uma honra poder aplaudi-lo. Ator de verruga, o incômodo realista, lúdico. Vera Holtz aparece nas trevas da sombra oriental, decência e pulo na culatra, gata do colo maduro, deito-me no teu grito enfeitiçado, e me choro, todo, debruço-me, me curvo.

Fui atingido (uma confissão assumida – em praça pudica).

Teatro Palácio do Fim

Raphael Vidigal

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5 Comentários

  • Estamos carentes de textos contundentes, grandes montagens e grandes atores nos palcos. Vamos ficar na torcida para que esse espetáculo chegue em nossa cidade brevemente. Valeu Raphael!!!

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  • Que pena ! Não pude ir mas, seu texto é tão puro, que nos emociona a cada palavra lida…
    Parabéns a todos: atores, diretor, autora e você!
    Beijos…

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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