“não se destinam a sustentar outra coisa senão a famosa libélula de abdômen mole e pesado como o bloco de chumbo maciço onde ela foi esculpida de forma sutil e etérea, bloco de chumbo concebido (por seu ridículo excesso de peso que introduz, no entanto, a ideia necessária de gravidade)” Salvador Dalí
A libido altiva de Ney Matogrosso, o gato arisco e maroto a ronronar de alforria e encanto. É a libertação do gozo, do jovem velho moço homem mulher caubói macaco, do porte de seus mais de 70 anos, do alto das árvores em troncos rijos e bem arraigados, na moleza do quebranto.
Requebra e horroriza, ojeriza a caretas e línguas voláteis demais, sensíveis de sais, mergulhadas em água de mar, rio doce, bentas. Ney Matogrosso professa amargura e medo, aventura e vento, enquanto mexe a colher de pau do voluptuoso caldo de bruxas e maçãs pecaminosas.
É verdade que a mentira prega peça, descola prego com martelo de brinquedo quando aquele moço (velho, mulher, macaco), senzala de passados agrestes e perene futuro egresso, sorri com o rebolado, o canto das unhas tão lascadas que dá vontade, confesso, urrar de chicote.
Do espelho minúsculo na caixinha de músicas da avó materna com seu colar de pérolas, o menino danado resgata cancioneiro de Nora Ney, a musa gay da dor de cotovelo com cigarrilhas e echarpes, rancores e desavenças de Herivelto Martins (e Marino Pinto) afugentado entre peixes e Dalva de Oliveira, além do Tango para Tereza a lembrar Gardel e do Doce de Coco de Jacob rememorado por Hermínio Bello.
Era paisagem desértica e árida, habitada por tesouros e besouros, chifres de búfalo e crinas de Rapunzel, descem as tranças das belas e feras de Chico Buarque e Edu Lobo, as Sete Cabeças do Bicho II, de Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Renato Rocha, em truculenta performance que racha crânios e talheres e deixa cair no enredo o buquê de flores da noiva abandonada em Ilhas, assombro de Astor Piazzolla letrado por Geraldo Carneiro.
Sinto explosivo número de amores reticentes e resolutos, Ney desabafa mágoas orquestradas para atingir o pólen da flor no deserto, em Medo de Amar, do poetinha Vinicius de Moraes, escapole da queda na ponte velha em À Distância, de Roberto e Erasmo Carlos, bole no bule com xícara quente e café morno a Mulher Sem Razão de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto.
Se de todos não falei pelo nome conhecido, avisto ao horizonte de caatingas e searas imensas: é porque a definição rebola enclausurada no vazio da obcecada perfeição por Ney, sois Matogrosso desse Brasil descontínuo…
Raphael Vidigal
18 Comentários
Adorei as palavras de efeito, como “vento”, “amargura” e “medo”.
Vc conseguiu transmitir as sessões, citar o conteúdo das músicas e descrever as expressões do Ney!
Senti como se estivesse no show pela terceira vez! heuehuehuehu
Excelente texto!!!
Realmente conseguiu expressar a profundidade dos sentimentos interpretados em cada canção no show (que, diga-se de passagem, foi espetacular!).
Adorei!
Que bom que vc viu, Natália Amaral!!! Foi bom mesmo, né =D
Vc foi no show no sesc ou no Palácio das Artes??
Eu Fui ao show no Sesc Palladium, no último 10 de agosto.
Texto deslumbrante, Raphael. Tão poético/abusado/resoluto/singular/sofisticado quanto o próprio Beijo Bandido de Ney. Parabéns!
Ai, o show dele é simplesmente fodástico!
Adoro ! parece ser MARAVILHOSO!
adorooooooo
ótimo, né? =D
Maravilhoso!!! Ney é tudo de bom! Presença de palco, alegria, espontaneidade, um artista completo. Amo tudo o que ele faz, vai brilhar pra sempre…Parabéns, Raphael! Belíssimo texto! Beijos…
Requebra e horroriza, ojeriza e caretas……..
Palavras, rimas, verdades, enigmas e algo mais pra definir tal artista que é o Ney. Eu que não governo nem de longe o pensamento e a destreza de colocar na ponta do lápis, bem me contento com a leitura feliz às homenagens de Raphael Gontijo; e quase sempre, no mesmo instante, ounvindo e constatando a genialidade de tais artistas. Parabéns Raphael e Ney!!!
Muito Show!!
Ah, mas tenho um DVD que ele interpreta Cartola que é show! Um tanto quanto afetado, mas ainda assim é show! Vou postar. Abs.
Ney é simplemente o bichooo!!!!!!!!!!!!
Obrigado a todos que comentaram! Ney é mesmo fantástico!
Gosto do seu rebolado.
Ser inteiro e ser complexo.é muito bom levar isso para o público.