Fafá de Belém canta Antônio Maria em performance quente e emocionada

*por Raphael Vidigal

“Busque amor novas partes, novo engenho
para matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças;
que mal me tirarão o que eu não tenho.” Camões

Falta a Fafá o recato, a contenção, e o esmero para que a apoteose perene da voz inflamada da cantora acompanhe o ciclone de emoções que a destilada música pretende passar. Em doses sempre homéricas (nunca homeopáticas), como é do pavio aceso da nativa mulher de Belém, à vontade em cena como na sala de casa, o que em alguns casos soaria salutar, neste remendo acaba despropositado.

O homenageado da noite, outro nortista, pois que nordeste e norte se embaraçam na salada recheada de frutas de Fafá, era Antônio Maria, sutil na sintonia com o repertório acalorado e confessional da intérprete. O mérito maior da apresentação do projeto “Compositores.BR” no palco do Sesc Palladium esteve na reverência atrevida.

Arranjos propostos que dispensavam a bem definhada mania de “horrível releitura”, essa palavra gasta, no alfabeto dos modernos réquiens. Por contradição proposital, rejeitou-se a abertura simples do manual clássico, e incorreu-se em erros que se tornaram acertos através do absoluto poder de devastação sobre a plateia (como no relance de lince em “Canção da Volta”, absurdamente revigorante).

Na preliminar soara feliz e fervoroso o saxofone de Cléber Alves e seu jazzístico trio (piano, bateria, baixo) a enfrentar frevos com a coragem do domador de leões, a atenção de quem observa a neve inédita na paisagem do Rio de Janeiro, a boemia nos copos, dos botequins cariocas. E o homem de coração na mão, o pernambucano exposto no metal a tremer do moço e o agudo inerte da senhora.

Fafá manteve os olhos hirtos, a cabeleira firme e o figurino nada propício, num preto básico sem sal nem açúcar, que se perdoavam somente nos momentos em que a cantora, sentada, dava mais atenção às notas do que aos afagos involuntários, por vezes forçados, como a famosa risada ao microfone. O que só comprova que Fafá de Belém é melhor artista quando sem os aplausos.

Mas para salvar a lavoura estava se homenageando Antônio Maria: a sordidez do abandono, o desespero do adeus, a sonora falta de expectativas entregues à garganta da intérprete a esbanjar fartura, bolero, tango, onomatopeias sibilares, sussurros ardis, diria Chico Buarque.

Fafá invade de tal maneira os entremeios das relações defasadas que se esquece de seus discursos bobos, a pretensão de mover massas, alerta-me minha namorada, o pouco cuidado com roupas, cenário, danças ordinárias. A boca da mulher redime o mundo.

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7 Comentários

  • A boca redime o mundo + ás vezes arrenganhando muito p o meu entendimento

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  • Fafá de Belém e Claudia Leite…juradas de calouros? Pode? Me façam o favor..depois daquela outra sem sal e antipática “…não lembro nem o nome dela, a das trançonas…)…mais Supla, Daniel…onde vamos parar?

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  • Uma super cantora!! Voz forte, afinadíssima e uma intérprete maravilhosa…Viva a Fafá de Belém!!!! Adoro!!!!

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  • Alessandra Prado tinha me contado… Achei ótimo a parte que vcs dizem que ela mira o microfone para rir… E que ela é melhor artista qndo sem aplausos. Acho q algumas pessoas são assim…

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  • Bom pra daná! =D

    Disse tudo: “Fafá manteve os olhos hirtos, a cabeleira firme e o figurino nada propício, num preto básico sem sal nem açúcar, que se perdoavam somente nos momentos em que a cantora, sentada, dava mais atenção às notas do que aos afagos involuntários, por vezes forçados, como a famosa risada ao microfone. “

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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