Rita Lee – Reza

“É, tudo bem, trabalhar para ganhar a vida, claro! Mas por que é preciso desperdiçar a vida que a gente ganha trabalhando para ganhar a vida?” Quino

álbum Reza

Uma senhora atravessa a rua, o arco, a serra da boa esperança. Rita Lee não esconde os pêlos pubianos (e públicos) nem as rugas vermelhos e negras! O suco gástrico esparramado pela cantora-atriz no divã deglute-se a conta-gotas.

No jardim babilônico que ela escolheu para passar a velhice, reclama como à juventude e pede mais sexo, menos yoga, reflete sobre as drogas (de todos os meios e tipos) ao som do bom rock’n’roll. Mas o ritmo que lhe satisfaz tem frutas e araras.

Coloridos infantis e petulantes sempre enfeitaram o quadro pintado a 7 mãos, masoquistas taras, loucura travessa duma menina desinteressada em resistir ao tempo, muito mais obtusa em rir com mal humor característico de sua promessa a cumprir.

Desejos e prazeres, quem conhece sabe, têm muito mais intensidade na espera, o regozijo gozo jato que antepara o baque eterno. Preces para que Deus dance, como pedia Nietzsche, logo na abertura dos mourões baixos desta fazendinha interiorana, pura simbiose com a filosofia ridícula e hilária (por isso mesmo verdadeira).

Extirpar as convenções desta paróquia universal, chamada mundo, planeta, terra, é a sua sina, que a maga realiza com os dentes amarelos, pois d’entre eles surge um trevo de quatro folhas: “Reza”. ‘Deus me perdoe por querer, que deus me livre e guarde de você’.

“Tô um lixo” recorda as lembranças áureas dos tempos em que a Rebordosa lançava língua fora a rigor para receber o que viesse, quando agora ainda solta veneno, mas promulgado pela medicina anatômica das naturezas insípidas em voga na geração saudável.

Os beiços bocejantes da maquinista puxam o sinal para que o trem ande mais lentamente, na pressa regedora tarde dos engomados, uma provocativa insinuação a meditar defronte seres de manhã interminável, “Divagando”. Com uma ‘Vidinha’ dessa difícil quem resiste a vomitar.

Combinando o óbvio a gírias pouco usuais na literatura, a cantora conjectura bem o espanto ao desânimo. Molequices e desabafos típicos de sua personalidade desobrigada e atrevida. ‘As Loucas’ versa na igual esfera, fêmea inquisitiva a expurgar os ânimos com chá de inquietação e liberdade.

O que sempre interessou na obra da artista é o discurso desacomodado e alegre, mesmo nos momentos de maior melancolia, conseguindo saturar a seriedade dos que se levam assim com irresistível talento para o escárnio. ‘Bixo Grilo’ exala luminosidades pseudo eletrônicas e progressivas, misturando idiomas, como quem revira a sopa da mosca derradeira.

‘Paradise Brasil’ não abandona a trilha, mas tira sarro da moda mundana e aglutinadora, qual hélice a arrastar o vento por distintos e malogrados. Embarca sem pudor na transbordante onda tropicalista que foi o ninho da ave-rainha. Maquiagens ensopam as bochechas neste misto de euforia e crítica patriota. De repente a calma… (violão).

Suspense de filmes de detetive, sons de bandas jazzísticas americanas, porquanto a musa soletra libidos ardilosas de dentro duma jacuzzi extensa, espaçosa o suficiente para arreganhar braços e pernas e assim, arrebanhar o ‘Rapaz’ como um cordeirinho pobre e assustado. Caiu na teia da viúva.

Estrategista serve-se de frágil para deter o controle. ‘Bagdá’ arrebenta com o cúmulo do absurdo, ao pescar do fundo duma refeição de letrinhas o necessário a montar o cubo quadrado das crianças, brincantes e teimosas, insistem na diversão como moradia. De lá ninguém os tira, nem o mais raivoso cão da adulteza (alteza essa, muito bem questionável).

Só palavra, ‘Tutti fuditti’ solta para caçar na savana a hiena que há na moça. Pois que ri de cara séria, é bem capaz de arrancar pedaços de carne deixando o coração da presa ainda vivo, a triscar de ventura e arrependimento. Ousadias mil com as figuras mais respeitáveis e os estilos destronados, ditados, italianos e malditos, guerreiros e aguerridos, salvaram-se todos! (ao som do apito, pito, o cigarro).

Multinacional e irrestrita como ela, ninguém melhor para cutucar a marca do momento, de gerações passadas e aquecidas, ‘Gororoba’ é o hino em louvor à destruição consciente, pautada pelo prazer que arremeda, mas não remedia. ‘Bamboogiewoogie’ descende a adrenalina duma selva, floresta amazônica, águas correndo, pássaros ao redor, em movimento, risadas claustrofóbicas duma bruxa presa no existir latejante da seiva duma árvore.

Tom Zé, o guru, paira, nos arremedos, arredores, persianas, cortinas, lupas, lugares, dissecação de sílabas, sonoridades, musicalidade mista e heterogênea. Rita atiça o bumerangue, ida e volta transcorrida num caminho de pedras de lodo, já o limbo, acena longe. POW!

cantora disco novo

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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