Reginaldo Rossi: o orgulho da vergonha

“Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,” Fernando Pessoa [Álvaro de Campos]

virada cultural largo do arouche reginaldo rossi

O poeta de língua portuguesa mais aclamado do mundo disse em versos estar farto de semideuses, a procura de gente que tivesse levado porrada, sido ridículo, cômico, passado vergonha, amar sem ter sido amado. Fernando Pessoa é um nome que, para quem conhece pouco, ainda sustenta uma frase, a da “dor que deveras sente”. Assim como Reginaldo Rossi, pois que ao bastante distraído não escapa a epígrafe de “Garçom”, em português claro, música de corno.

De um jeito ou de outro, embora um seja natural de Lisboa e outro de Recife, em Pernambuco, os dois espalharam em síntese os sentimentos que atingem a todos, e com uma postura diversa à da hipócrita sociedade: não esconderam os defeitos, as falhas, ao contrário, cada um a seu modo, o primeiro com elegância, o segundo de forma direta, simples, tosca, escancararam o orgulho da vergonha. O que sustenta a obra de Reginaldo Rossi é o tratamento que ele dá aos valores.

Por conta disso muitos dos deprimidos, traídos, sujos, cativam-se ao ouvirem na execução melódica o elogio ao fracasso, ao erro, à frustração. A pose que Reginaldo Rossi ostenta não é a de bacana, bem sucedido, adorado, pelo contrário, ele é largado por seu grande amor que hoje vai se casar, e quem o socorre e consola é o garçom da mesa de bar, o amigo de todos os boêmios que em noites inteiras perderam as esperanças daquele final feliz. Inclusive o rótulo que lhe pregaram, “brega”, foi acolhido com simpatia.

Afinal para o compositor a expressão tinha um sentido diferente do ditado pela grande mídia: “Quando o povo gosta, é brega”. E entender a língua que fala o povo de maneira espontânea e verdadeira não é para qualquer empresa que fabrica a toque de caixa e moldes de plástico os astros industrializados duma juventude pasma. Entender a linguagem do povo é exprimir os sentimentos, e só depois pensar na fama, no sucesso, nos holofotes. Até porque o que fica para a posteridade não se esquece em dois intervalos. O “Garçom” é eterno.

DISCOGRAFIA
1966 – O Pão / 1967 – Festa dos Pães / 1970 – À Procura de Você
1971 – Reginaldo Rossi / 1972 – Nos Teus Braços / 1973 – Reginaldo Rossi
1974 – Reginaldo Rossi / 1976 – Reginaldo Rossi / 1977 – Chega de Promessas
1980 – A Volta / 1981 – Cheio de Amor / 1982 – A Raposa e as Uvas
1983 – Sonha Comigo / 1986 – Reginaldo Rossi / 1987 – Reginaldo Rossi
1989 – Momentos de Amor / 1990 – O Rei / 1992 – Reginaldo Rossi
1998 – Reginaldo Rossi (Ao Vivo) / 1999 – Popularidade / 1999 – Reginaldo Rossi, The King
2000 – Reginaldo Rossi / 2001 – Para Sempre Reginaldo Rossi / 2001 – Reginaldo Rossi (Ao Vivo)
2003 – O Melhor do Brega (Ao Vivo) / 2003 – Reginaldo Rossi / 2006 – Reginaldo Rossi (Ao Vivo)
2010 – Cabaret do Rossi

Reginaldo-Rossi

Raphael Vidigal

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5 Comentários

  • Não sou adepta do estilo brega, mas Reginaldo Rossi era um símbolo tipicamente nordestino com pouca instrução. Em uma reprise na Gobo News, juntamente com amado Batista e Falcão a Chico Pinheiro, mostrou-se.
    Disse porque cantava o brega e usava termos simples opara o povo simples que não entenderia algo pouco mais “adequado”. Por exemplo, jamis entenderiam se usasse um termo como um homem triste face o adultério. O Povão não saberia o que isso significa. Assim usou o termo corno. As gravadoras não queriam que gravasse, mas foi até o fim e fez o maior sucesso, GARÇON! Era chamado nas ruas como garçon e amado por falar a linguagem de tantos.. Senti profundamente sua morte.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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