Racismo nosso de cada dia…

“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.” Joaquim Nabuco

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Embora comum a todos, a morte é sempre extraordinária. Nas circunstâncias que levaram o ator e artista plástico Antônio Pompêo, de 62 anos, é possível designar fortes traços de racismo. De acordo com a companheira e atriz Zezé Motta, com quem fundou e participou de movimentos favoráveis à causa negra, o colega estava “recluso e morreu de tristeza”, por ter tido um “talento mal aproveitado”. Para o artista não existe pior condenação do que o limite. E Pompêo estava confinado a uma sociedade de classes, onde os papéis que lhe cabiam, não raro, na arte e na vida, eram os do submisso.

Como para provar não se tratarem de fatos isolados na sociedade brasileira, o dia da morte de Pompêo também obrigou, horas antes, ao namorado misterioso da apresentadora do canal no Youtube Jout Jout Prazer a se posicionar e mostrar o rosto contra as retaliações de racismo sofridas na internet em razão de fotos do rapaz que começaram a circular. Caio causou furor ao quebrar a expectativa dos que o imaginavam segundo o modelo grego de beleza ocidental, ou o príncipe num cavalo BRANCO dos contos de fada. Ele que se considera “pardo”.

Pompêo esteve relegado a interpretar coadjuvantes e empregados, com exceção dos protagonistas históricos dos quais o diretor Cacá Diegues lhe incumbiu nos longas-metragens “Xica da Silva” e “Quilombo”, onde viveu Zumbi dos Palmares. Se para os artistas brancos as oportunidades se tornaram escassas em tempos cada vez mais tomados pela indústria do entretenimento e do lucro a qualquer custo, imagine para os que, historicamente, se viram colocados num segundo plano. O absurdo é ainda maior quando se constata o desdém completo às obras produzidas por Antônio no campo das artes plásticas. Heitor dos Prazeres ainda é muito mais reconhecido por seus sambas do que pelas pinturas, provavelmente por que na primeira atividade não é visto como um invasor do espaço destinado aos brancos.

Pompêo lutou até onde pôde, fundou movimentos e se fez presente em novelas e produções televisivas de impacto como as minisséries feitas, ainda em alto grau de qualidade artística, pela mal fadada Rede Globo de Televisão, com todas as suas incongruências e demagogias. Um exemplo é “A Casa das Sete Mulheres”. Mas enquanto dois negros conhecidos têm as suas imagens estampadas nos portais porque enfrentam o racismo ou morrem, outros milhares deles, anônimos, seguem sendo presos ou assassinados. Para quem nunca sofreu ou sofrerá com o racismo na pele ele permanece como uma forma abstrata, mas para Pompêo trouxe a letalidade da morte. Resta-nos subverter a oração: “Racismo nosso de cada dia, perdoai as nossas ofensas…”.

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Raphael Vidigal

Fotos: Antônio Pompêo; Caio e sua namorada, a apresentadora de Youtube, Jout Jout Prazer, respectivamente. Fontes de arquivo e divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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