Prefácio: Amor de Morte Entre Duas Vidas

“na altura de dez polegadas ou mais
homem, terra : duas metades da talha
mas sairei disso sem conhecer ninguém
nem eles a mim” Ezra Pound

Capa do livro "Amor de Morte Entre Duas Vidas"

Quando da estreia de um poeta, a via mais usual de apresentá-lo é por meio do cotejo, dizendo a quem ele soa, mas não, necessariamente, como e o que ele soa – manifesta, expressa, exalta. Tentemos, diferentemente, pelo menos de início, o caminho pelas próprias faces deste livro de Raphael Vidigal, entre elas: a proposta da rapidez, na simbiose entre o artifício vagaroso e o texto velocíssimo, ou, como dito bem melhor por um outro autor, coisas de balística; o movimento nem sempre fácil, pois também no espaço (gráfico), de ancoragem entre as palavras e os sentidos, o que demanda engenho também por parte do leitor; um certo tom trágico, porém performático – logo, autoconsciente –, de equilibrista entre o biográfico, o sensível e o burlesco de um Lennie Dale, citado em “Iluminação ou Prefácio”. Afinal, cautela, pois como coloca ironicamente outro poema deste livro: “esse sentimento grego,/é a vontade de tomar um iogurte”.

Ironia à parte – ou por causa dela mesma –, o que emerge de físico nesse conjunto de poemas é a agudeza da palavra, que é fina e penetrante como lâmina. No deslocamento proverbial, à Leminski (não resisti à comparação), o poeta adverte acerca da eternidade da palavra em face da efemeridade do gesto: “Quem com ferro fere com verbo será ferido”. Assim, o vício pela palavra poética é, no poema-homenagem a Jack Kerouac, semelhante àquele por um narcótico de fúria, e não apaziguante. E, talvez, por isso, o poeta prefira, por vezes, o oximoro do “silêncio alto” à fala. Daí, também, a deferência, na obra, à poesia corporal, sem palavra (a mímica, a dança), cultivada pelo já referido Dale, mas também por Charles Chaplin, cujo cinema mudo é reiteradamente evocado nos poemas.

Nos três segmentos do livro que compõem o título, o primeiro deles versa sobre um amor tão inviável quanto necessário, em que a imagem que permanece é a do sujeito irremediavelmente partido, inacabado. “Pois nessa vida insuficiente completar o vão do outro é mera tentativa brusca-tola”, resigna-se em “Caminhos”, quando o amor já não adianta nem basta. Na unidade “Morte”, colocam-se em relevo a perda, o envelhecimento e noção de que tudo caminha para inexistência, disfarçado, quase sempre, pelo verniz da alegria e da descontração. No entanto, “nada restará do riso lágrima sol do amor que arde abraço/ No máximo uma poesia ou uma foto digital”, enuncia o eu poético em “Ana Cristina César”. “Entre duas vidas”, que encerra o livro, é a parte predominantemente autorreflexiva da obra, embora, como já ficou claro até aqui, esse discurso poético é também tributo a descoberto, em que é chamada uma série de autores (Pound, na epígrafe, mas também Pablo Neruda, Truman Capote, Oscar Wilde, Fernando Pessoa e Caio Fernando Abreu nos próprios poemas). Em “Claríssima”, a maçã ofertada no escuro, no verso final, é a chave para a escritora de A hora da estrela. A poesia de Vidigal brota, assim, entre duas vidas: daquela mais imediata, que o poeta (não sabe bem se) experimentou, e de uma outra, assumidamente forjada principalmente nas leituras.

Lançamento oficial do livro "Amor de Morte Entre Duas Vidas"

Márcio Serelle – Convidado especial do blog Esquina Musical

Fotos: Alexander Prado; e Divulgação, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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