“Que no coração de Bia
Meninos não têm lugar
Porém nada me amofina
Até posso virar menina
Pra ela me namorar” Chico Buarque
A volta de grandes nomes e a consolidação de intérpretes em ascensão marcaram a música nacional com discos emblemáticos lançados em 2017. Além disso, artistas que nos deixaram também tiveram os seus últimos trabalhos lançados, enquanto outros receberam homenagens pelo conjunto da obra. O blog aponta os álbuns nacionais de maior destaque no ano.
Chico Buarque levou seis anos para lançar um novo disco de inéditas. A espera valeu a pena. Apontado como um dos melhores trabalhos do compositor nas últimas décadas, “Caravanas” estreou sua turnê em Belo Horizonte, a exemplo do que já havia acontecido com o álbum anterior. As parcerias do anfitrião com os netos Clara e Chico Brown se destacam no CD.
O sucesso de público aliado ao elogio da crítica alcançados com o disco “Estratosférica” (2015) levaram Gal Costa a registrar o repertório em DVD e CD gravados ao vivo na cidade de São Paulo. Mas, para além da novidade, o lançamento apresentou sucessos da extensa carreira da artista, com arranjos do baterista Pupillo. Tem música de Caetano Veloso a Mallu Magalhães.
João Bosco burilou durante oito anos o repertório de seu novo disco de inéditas. Sucessor de “Não Vou Pro Céu, Mas Já Não Vivo no Chão”, o álbum apresenta 5 canções compostas com o filho, Francisco. Além de estrear parceria com Arnaldo Antunes, Bosco revigora o encontro de sucesso com Aldir Blanc e mostra sua versão para “Sinhá”, feita com Chico Buarque.
Cinco anos depois de “Janelas do Brasil”, Amelinha voltou ao disco para homenagear um amigo. O cantor e compositor Belchior, falecido em abril, conhecia a cantora desde os tempos em que viviam no Ceará, terra natal da dupla. Com um repertório que entremeou sucessos do porte de “Paralelas” a obras menos conhecidas, a intérprete lançou um dos melhores CDs de 2017.
A irreverente Maria Alcina, mineira de Cataguases, voltou a surpreender com uma homenagem para lá de inusitada a Caetano Veloso. No álbum nomeado com uma das frases da música “Gênesis”, a intérprete coloca a gravidade de sua voz a serviço das canções mais experimentais e menos óbvias do baiano. “Fora da Ordem” e “O Estrangeiro” recebem o merecido destaque.
Gravar o repertório romântico de Roberto e Erasmo Carlos com a devida emoção não é tarefa fácil. Dona de consagrado estilo forjado na era de ouro do rádio, Angela Maria dá uma aula de interpretação em mais um disco de sua exitosa carreira, iniciada no mercado fonográfico em 51. Músicas como “Desabafo” e “Sua Estupidez” ganham a voz da eterna Rainha do Rádio.
Lançado de maneira póstuma, o disco com o último registro em estúdio de Cauby Peixoto foi gravado em março de 2016, dois meses antes de seu falecimento. A homenagem junta no mesmo álbum a obra de dois cantores que cultivaram estilos opostos de interpretação, e afiança a força do canto de Cauby até os últimos momentos de sua vida. “Uma Loira” está no repertório.
Se é mesmo verdade que o segundo disco serve como uma prova de fogo, a carioca Júlia Vargas passou com louvor nesse teste. Ao rebobinar a estética tropicalista, a intérprete iluminou novos cantos da canção popular brasileira ao misturar canções de nomes da nova geração como Claos Mózi e Carlos Posada com os eternos rebeldes Jorge Mautner e Tom Zé. Cheia de atitude.
O fato de uma obra ser regravada várias vezes não significa que ela não tenha mais nada a revelar. Marina de La Riva não precisou de malabarismos para sublinhar as delicadezas de Dorival Caymmi. O repertório percorre clássicos como “Saudade da Bahia” e “Um Vestido de Bolero”, e tece conexões com músicas latinas. Ney Matogrosso e João Donato participam.
A união de um mestre do violão com um time de violinos, violoncelo e viola de primeira linha oferece um dos trabalhos sonoros mais impactantes do ano. Ao contemplar cinco inéditas e oito regravações para músicas de Guinga, o disco constrói uma narrativa sensorial que passeia pela memória e as emoções do compositor. O arranjo de “Meu Pai” é para se ouvir de perto.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.