“Pela manhã, como deve sentir-se poderoso o vento
Ao se deter em mil auroras,
Desposando cada uma, rejeitando todas
E voando para seu esguio templo, depois.” Emily Dickinson
Há um século e uma década nascia para o mundo Freda McDonald, que para sempre permaneceria desconhecida dele. Porém sua personagem é ainda lembrada. Josephine Baker, junção do próprio sobrenome com o do marido é referência imediata para o universo da dança, dos costumes, da luta pelos direitos da mulher, dos negros e de todas as minorias perseguidas. Sua contribuição artística, ao contrário do percebido pela extensa maioria em sua época, portanto, transcendeu aos critérios momentâneos orientados pela estética a fim de alcançar aquele valor concedido às obras-primas: marcou profundamente a maneira de pensar da humanidade; ou, ao menos, sugeriu novas aberturas para ela. Natural do meio-oeste dos Estados Unidos, quando chegou à maioridade migrou para Paris, onde, dizia-se, respirava-se vanguarda e liberdade; naqueles “Loucos Anos 20” por lá passavam pintores como Picasso e escritores do porte de Hemingway e Gertrude Stein, considerada mentora intelectual de muitos deles. Mas não havia nada como o exotismo de Josephine Baker. Trazia, ao seu lado, Chiquita, uma guepardo de estimação.
Descendente de negros e índios apalaches, filha de uma mãe lavadeira que sonhava tornar-se bailarina e pai desconhecido, Josephine precedeu, em termos, o que representaria Carmen Miranda para os Estados Unidos, só que ainda mais ousada: era uma figura libidinosa, que dançava quase nua, em poses e gestos provocativos que, a despeito de escandalizarem, tornaram-se altamente populares; foi estrela de seu tempo e dos cabarés parisienses como nenhuma outra. O que havia em Josephine Baker que se expressava mais fisicamente do que por palavras era o orgulho pelo diferente e a exposição sem amarras nem ataduras da disposição feminina. Josephine se exibia com saia de bananas, inventava caretas, balançava-se toda ao ar livre, inclusive os seios, sem perder a dignidade e sair do lugar que ela definia para estar; a atitude e a ação partiam de seus desejos, sua volúpia. Foi uma artista ativa, acima de tudo. Tanto é verdade que contribuiu na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, como espiã, recebendo por esse ato heroico medalhas e honrarias, e, ainda por cima, adotou 12 crianças órfãs de etnias variadas, às quais carinhosamente apelidou para si de “Tribo Arco-Íris”.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo/Divulgação.