*por Raphael Vidigal
“Acreditava-se, mesmo, que Napoleão considerava a literatura sua verdadeira vocação, e que foi sua incapacidade de escrever um grande romance e conquistar uma reputação literária que o levou a escolher uma alternativa menor, conquistar o mundo.” Luis Fernando Veríssimo
Depois de demonstrar toda a sua ignorância ao perguntar se a escritora Adélia Prado – vencedora dos prêmios Jabuti, da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) e da ABL (Academia Brasileira de Letras), dentre outros – trabalhava numa rádio de Divinópolis no momento em que recebia um livro de autoria da ilustre moradora da cidade das mãos de um constrangido apresentador, o governador de Minas Gerais reforçou o seu desprezo pela cultura ao exonerar o diretor artístico da Companhia de Dança do Palácio das Artes, um dos três corpos artísticos que compõem a Fundação Clóvis Salgado.
A alegação para a demissão foi o currículo do profissional, que não estaria de acordo com as demandas da companhia. Acontece que Cristiano Reis tinha 22 anos de casa, oito na função de diretor artístico, tendo ingressado como bailarino. O argumento oficial do governo de Minas não se sustenta, mas Zema tampouco parece preocupado em esclarecer os fatos. Em janeiro, o governador saiu-se com a estapafúrdia declaração de que o governo Lula teria feito vista grossa ante a tentativa de golpe que sofreu, para se beneficiar dele, sendo que, dias antes, na presença do Presidente da República e do Ministro da Justiça, Flávio Dino, manteve-se calado. Essa covardia é outra característica de Zema.
Em novembro, a Companhia de Dança do Palácio das Artes, sob a direção de Cristiano Reis, exibiu nos dias 5 e 6, o espetáculo “m.a.n.i.f.e.s.t.a.”, e o resultado foi uma aclamação total, com minutos incontáveis de palmas dos presentes, todos de pé no Grande Teatro. O contrato assinado para que a companhia repetisse a dose, diante do sucesso, no próximo dia 15 de março, também foi cancelado pelo governo, que passou a não ver mais sentido na reapresentação, segundo ele porque o mote seria o centenário da Semana de Arte Moderna de 22, já comemorado no ano passado. O mote era esse, mas também a defesa da democracia, o que parece ter incomodado Romeu Zema…
Em outubro, com o peito inchado feito um pombo pela reeleição em primeiro turno, o governador resolveu se dedicar, de corpo e alma, à campanha de Jair Bolsonaro, derrotado por Lula, que angariou mais de 60 milhões de votos e subiu a rampa do Planalto pela terceira vez, feito inédito em nossa história republicana, colocando o PT, novamente, no centro do poder federal. Não foram poucas as palavras de descortesia do governador ao Partido dos Trabalhadores e a seus eleitores, mas ele, habitualmente, poupou Bolsonaro de qualquer censura, mesmo quando apoiava ditadura, golpe e negacionismo.
Sabemos bem em que lugar da política Romeu Zema se concentra, com a anuência de boa parte da mídia e da classe empresarial, da qual descende. Ele é um representante da extrema-direita que se jacta de andar ao lado de conservadores e reacionários, cujo âmago do discurso é a demagogia e a distorção da realidade em prol de um clima de medo. Tornado milionário graças aos juros abusivos dos produtos que vendia, o governador é apenas mais um comerciante de coisas, que ascendeu na política nacional com o crivo de gente tão ou mais medíocre do que ele, e, a maioria, mesquinha e interesseira. Mas, como diz nossa Adélia Prado: “a poesia, a mais humilde, é serva da esperança”. A manifestação dos bailarinos da companhia continuará ecoando…
Foto: Paulo Lacerda/Divulgação.