“Ah, aprende-se o que é preciso que se aprenda; aprende-se quando se quer uma saída; aprende-se a qualquer custo. Fiscaliza-se a si mesmo com o chicote; à menor resistência flagela-se a própria carne.” Franz Kafka
Todo o trabalho de Mano Brown à frente dos Racionais MC’s está fundamentado na observação social e na defesa da camada mais pobre da sociedade, frequentemente atingida pela violência no país. Por essas e outras, não é de se espantar a tomada de posição do rapper diante do estado de coisas que têm determinado a política nacional desde as manifestações de junho de 2013.
“Eu acompanhei esse processo desde o início, quando começaram a cogitar o impeachment da Dilma, com a história das pedaladas fiscais, a gente já sabia que o desfecho seria a prisão do Lula”, garante. No final do ano passado, o rapper chegou a postar em suas redes sociais uma foto ao lado do ex-presidente e de Chico Buarque, após uma partida de futebol em que os três participaram. Sem esconder o apoio, ele entoou em seus shows, mais de uma vez, o coro de “Lula Livre”.
“Colocaram um algodão na boca do povo, eu estou preso com o Lula, ao lado de mais de cem milhões de pessoas que sempre foram excluídas e enganadas. A perseguição não é contra o Lula, o problema é o que ele representa. A direita cansou de ficar fora do jogo e quer retomar o poder para ter de volta os seus privilégios, e não os direitos iguais”, afirma o músico.
Resistência, aliás, é uma palavra que sempre esteve no vocabulário de Mano Brown. A apresentação do rapper será baseada em seu mais recente álbum, “Boogie Naipe” (2016), que, nas palavras do cantor, trouxe “uma temática mais festiva e intimista”, e explicitou as influências da música soul e de Jorge Benjor. Apesar disso, o paulistano não abandona o teor do discurso consagrado pelos Racionais MC’s. “Odeio falar esse tipo de palavra: ‘mercado’, ‘indústria’. Mas eles estão aí interferindo na música, porque pressionam tanto os artistas a correrem atrás do tempo, que acabam ficando descartáveis”, critica, antes de emendar com uma metáfora pra lá de esclarecedora.
“É como álcool pra acender a fogueira, depois ela apaga e precisa de mais. É difícil dizer que a música vai permanecer assim”, constata. No entanto, o rapper segue sua toada sem perder o prumo. No momento, ele participa de um inédito disco póstumo de Sabotage, numa faixa que traz a voz do cantor assassinado em 2003, aos 29 anos. Para completar, gravou uma nova canção, que pretende lançar em breve, com a atual geração do rap, em que participam Emicida, Rael, Rincon Sapiência, Djonga e BK’.
“Não acredito em vender sentimento no guichê da farmácia em forma de tubo. Nesse quesito, me sinto ultrapassado. Hoje se faz música como pastel, o cara bom é o que ‘frita’ três por dia. Nesse caso, fica mais difícil para quem se envolve emocionalmente”, observa Brown. Autor de clássicos como “Negro Drama”, “Diário de Um Detento” e “Vida Loka”, ele aproveita o ensejo para avaliar a força da própria obra.
“Nunca alimentei o dragão faminto da mídia, que agora virou a internet. A música pode soar como dinamite ou anestesia. Tem música que marca uma época, outras marcam várias e algumas não marcam nenhuma. Sei que as minhas foram remédio para certas pessoas, porque ouvi isso delas”, afirma Brown, que recobra a memória afetiva para explicar o contemporâneo. “Me apegava a músicas, filmes, mas hoje é tanta coisa que você se apega até amanhã”, lamenta o entrevistado.
Raphael Vidigal
Fotos: Instagram/Reprodução.