De Noel Rosa a Gilberto Gil: músicas que citam esportes olímpicos

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Nada fica
a não ser o que for bonito
A ideia fixa
é meu esporte favorito” Paulo Leminski

De quatro em quatro anos, o mundo volta os olhos para mais um ciclo olímpico, a mais antiga e tradicional disputa envolvendo diversas modalidades esportivas. Em 2021, as Olimpíadas tiveram que esperar cinco anos para acontecer em Tóquio, no Japão, devido à pandemia do novo coronavírus que se abateu sobre o mundo. Com bom humor e muito ritmo, unindo a inventividade brasileira à sua típica diversidade, elaboramos uma lista de músicas apropriadas para essas Olimpíadas, pelos mais variados motivos, mas sempre levando em conta alguma alusão, mesmo que simbólica, aos esportes. Abram alas para desfilarem as vozes de Elis Regina, Moreira da Silva, Jorge Ben Jor, Eduardo Dussek, Renato Russo, Charlie Brown Jr. e seus respectivos compositores. Certamente haverá medalhas de ouro, prata e bronze para eles.

“Tarzan, o Filho do Alfaiate” (samba, 1936) – Noel Rosa e Vadico
Composta para o filme “Cidade Mulher”, de Humberto Mauro, “Tarzan, o Filho do Alfaiate”, é um samba de Noel Rosa e Vadico, de 1936, cujo título parodia a saga de “O Filho das Selvas”. A canção fazia troça com o hábito que se tornou comum entre os homens da época de se utilizarem se enchimentos no paletó a fim de parecerem mais musculosos. Lançada por Almirante, a música recebeu regravações de Zeca Pagodinho, Djavan, Cristina Buarque e Henrique Cazes. Além de citar lutas e futebol, a música faz uma referência direta ao tablado, onde a ginasta Rebeca Andrade protagonizou um desempenho histórico em 2021, ao som do funk “Baile de Favela”, que a credenciou entre as favoritas a uma medalha nas categorias individual, solo e salto da ginástica artística.

“Hino do Vasco da Gama” (marcha, 1943) – Lamartine Babo
Compositor dos hinos das principais agremiações do Rio de Janeiro, o carnavalesco e torcedor do América-RJ, Lamartine Babo, também assina o “Hino do Vasco da Gama”, uma típica marcha-exaltação de 1943. Além das conquistas dentro de campo, o clube da colônia portuguesa tem uma importância histórica no cenário desportivo brasileiro, ao ter sido o primeiro a abrir as portas para atletas negros, quando o racismo convivia com uma naturalização atormentadora. Ao longo da letra de Lamartine, ele cita dois esportes em que o Vasco se destacava, e que estão presentes nas Olimpíadas de Tóquio: o remo, onde o Brasil é representado por Lucas Verthein, já semifinalista; e o atletismo, em que a delegação brasileira conta com 53 atletas. “No atletismo és um braço/ No remo és imortal”, entoa o hino do Vasco.

“Cidade Lagoa” (samba, 1959) – Sebastião Fonseca e Cícero Nunes
Em 1959, Sebastião Fonseca e Cícero Nunes denunciavam uma calamidade que desde cedo se tornou recorrente nas cidades brasileiras. A chuva que trazia enchentes e alagamentos. Lançada por Moreira da Silva e cantada com sua inconfundível e habitual divisão, a ritmada “Cidade Lagoa” faz referência aos problemas vividos no Rio de Janeiro, e foi regravada por Jards Macalé no álbum dedicado ao ídolo. Se valendo da ironia e do humor rascante, a dupla de compositores faz uma crítica sem precedentes aos governantes brasileiros, prova de que não sabem lidar nem com a falta e muito menos com o excesso de água. A alusão olímpica é ao esporte da canoagem, usada aqui para a fuga. “Por isso agora já comprei minha canoa, pra remar nessa lagoa…”, diz Moreira.

“Tiro ao Álvaro (samba, 1960) – Adoniran Barbosa e Osvaldo Moles
Típico compositor paulistano, identificado com o linguajar da terra, Adoniran Barbosa se valeu da maneira oral de pronunciar as palavras para compor o título e os versos de “Tiro ao Álvaro”, samba composto em 1960 com Osvaldo Moles, e um de seus maiores sucessos de toda a carreira. Tanto que foi regravado em parceira com ninguém menos do que a icônica Elis Regina, considerada por muitos como a melhor cantora brasileira de todos os tempos, em 1982.

Na ocasião, os dois dividiram vocais em clipe que entrou para a história também por seu divertimento. Humor e crítica social que, aliás, eram fundamentos sempre presentes nas músicas de Adoniran, além de pitadas de romantismo. Tudo aparece em “Tiro ao Álvaro”, que é identificado nas Olimpíadas como o famoso tiro com arco e flecha, esporte ascendente no país.

“Não Deixe a Peteca Cair” (bolero, 1961) – Bedeu e Leleco Telles
Absorvendo um dos mais repetidos ditados populares do país, o famoso Trio Irakitan, sobretudo no seu período auge, as décadas de 1950 até meados dos anos 1960, gravou, em 1961, um 78 rotações que continha, no lado A, “Não Deixe a Peteca Cair”. Intérprete de boleros românticos, com assertiva influência da cultura mexicana, o trio foi formado em Natal, no Rio Grande do Norte, por três jovens cantores e ritmistas, conhecidos como Edinho, Paulo Gilvan e Joãozinho, e, entre idas e vindas, gravou seu último registro em estúdio no ano de 2003, já com a formação original modificada.

Nas Olimpíadas de 2021, a modalidade que se utiliza de uma peteca para ser rebatida com raquete específica é conhecida como badminton, e o Brasil conquistou nessa edição a sua primeira vitória no esporte com Ygor Coelho. A outra representante da delegação brasileira é Fabiana Silva, que trocou a vela pela peteca. Torçamos para que, como na música, eles não deixem a peteca cair.

“Drão” (MPB, 1982) – Gilberto Gil
Dedicada para Sandra Gadelha, terceira esposa de Gilberto Gil, a música “Drão” é um desses clássicos do repertório nacional que veio ao mundo em 1982. O título é uma referência ao apelido dado por Maria Bethânia a Sandra, abreviação de “Sandrão”. Regravada por Caetano Veloso, Djavan e, mais recentemente, Milton Nascimento, é uma música de amor sobre a dor da separação.

“Quem poderá fazer, aquele amor morrer/ Nossa caminha dura, cama de tatame”, poetiza Gil. Foi no tatame que, em 2021, o Brasil faturou a sua primeira medalha de bronze em Tóquio, com o judoca Daniel Cargnin. Mas a tradição brasileira na milenar arte marcial de origem japonesa vai bem além. O judô é responsável pelo maior número de medalhas olímpicas do país em um esporte individual, sendo 23 no total, já contabilizando a vitória de Cargnin.

“Barrados no Baile” (rockabilly, 1982) – Eduardo Dussek e Luiz Carlos Goés
A dupla de compositores formada por Eduardo Dussek e Luiz Carlos Goés é responsável por músicas impagáveis do repertório nacional, como “A Índia e o Traficante”, “Doméstica”, “Brega-Chique”, “Folia no Matagal”, “Chocante”, dentre outras, em que mesclavam um humor ácido e irônico a críticas sociais, com forte influência do Teatro Besteirol do qual Goés fez parte, ao lado de nomes como Vicente Pereira, Miguel Falabella e Mauro Rasi. Outro clássico da dupla de irreverentes é “Barrados no Baile”, rockabilly de 1982 que virou tema de novela da TV Globo. Logo nos primeiros versos, a música cita a modalidade que é uma das grandes esperanças de medalha do Brasil em 2021: a ginástica.

“Eduardo e Mônica” (balada, 1986) – Renato Russo
Clássico absoluto do rock nacional, responsável por catapultar a Legião Urbana ao topo das paradas de sucesso, “Eduardo e Mônica”, lançada em 1986, traz todos os elementos da marcada poética de Renato Russo, calcada em uma narrativa fílmica que centra as discussões em personagens a dispensa a necessidade de um refrão.

A determinada altura da balada, após apresentar as contradições aparentes entre Eduardo e Mônica, Renato conta que eles “fizeram natação, fotografia, teatro e artesanato”. Na natação, o Brasil levou 26 atletas para Tóquio, e já conseguiu vagas em uma final e duas semifinais. Na história das Olimpíadas, o Brasil já conquistou 14 medalhas na natação, incluindo o ouro, com César Cielo, no ano de 2008, em Pequim, na China.

“W/Brasil [Chama o Síndico]” (samba-rock, 1990) – Jorge Ben Jor
Em 1989, Jorge Ben alterou o seu nome artístico para Jorge Benjor. Algumas especulações como a numerologia e a carreira internacional do artista, que não queria ser confundido com o músico norte-americano George Benson, foram levantadas. Certo é que, no ano seguinte, ele lançou uma música que seria um estouro nas pistas de dança.

“W/Brasil” fazia uma brincadeira com uma famosa agência de publicidade brasileira, e aproveitava a deixa para prestigiar o amigo de Jorge Ben Jor, o irrequieto Tim Maia, conhecido como “Síndico” da canção brasileira. No meio desse carrossel musical, o compositor resolve falar de surfe. Estreando nas Olimpíadas, o surfe é uma das esperanças de medalha do Brasil em Tóquio, com as presenças de Gabriel Medina e de Ítalo Ferreira.

“Aquele Velho Carteado e Algumas Manobrinhas” (rock, 1999) – Charlie Brown Jr.
Falar de Charlie Brown Jr. é falar de skate. A banda liderada por Chorão era indissociável do esporte nascido nas ruas, inclusive porque o próprio compositor chegou a ser vice-campeão paulista de skate. Outro dado revelador é que o Charlie Brown citou a palavra skate em exatamente 33 músicas, além de outras em que fazia referência velada ao esporte através de suas manobras.

“Aquele Velho Carteado e Algumas Manobrinhas”, de 1999, é mais um rock que fala sobre skate. Em 2021, o skate se tornou esporte olímpico em Tóquio e logo despertou a atenção dos brasileiros pela possibilidade de medalhas e também pelo espírito de descontração e companheirismo mantido pelo esporte, a despeito da competitividade. Com Kelvin Hoefler, o Brasil ganhou a sua primeira medalha nas Olimpíadas de Tóquio ao ficar com a prata no skate masculino. No skate feminino, a medalha de prata veio com Rayssa Leal, de apenas 13 anos, mais nova atleta olímpica brasileira a alcançar o feito.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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