Dança: Funk (Carioca)

“O não dizer é o que inflama
E a boca sem movimento
É que torna o pensamento
Lume
Cardume
Chama.” Hilda Hilst

Funk Carioca

Um corpo nu está dançando. Balança-se desavergonhado. O pudor não existe na terra (treme) onde dança – o corpo nu. Moral não existe na terra (bate) onde dança – o corpo nu. Caroço cuspiu-se violentamente, exibindo ventre, nádegas, seios, as malditas reprimidas escapolem. Chupa-se a fruta do início ao final, passando por suas veias, sentindo o gosto híbrido da semente rija e macia.

O corpo nu está dançando. Agora não um, são muitos. Orgia regada a vinho e liquidez maciça, libido e ardilosa língua a perpassar orelhas. O quadril dilata-se, o centro do mundo é o verniz da mulata. Brilha o pedaço apertado num short compacto, desprevenido, munido de pele à mostra. O quadril é todo dos ares – entorna, rebobina, desfaz o movimento, avança na direção do explosivo: fogosa mulata, quadril, dançarina.

Nos corpos nus está dançando. Não dança a miséria, não dança a fome, não dança a falta. Abundância de carne, saúde farta, sexual liberdade. Nos corpos nus estão dançando os quadris, as nádegas, os seios pulam, pululam olhares. A boca chupa num amuleto volátil tudo o que arde e rebate. Bola quica no vôlei: pra cima, pra baixo, pra frente, pros lados.

Há um corpo nu a dançar. Pernas tremem, mas mantém o controle, pilares do monumento instaurado, observado, declarado preferência nacional: dança o orgulho, herança da África, a bunda vitupera radiante. Ri e coaxa e endurece e relaxa: desconjura o diabo que é livre para espetar o arado na porção somada – esbalda a vontade, a viril vontade, o zíper das anjas, aberto, à espera: do jeito que o demônio gosta, a gula prostra, luxúria.

Sim, vejo corpo nu dançarino. Rebolando. Lascivo. Desce porque quer. Quando quer. Não se coloca inferior. Abaixa-se para receber o gozo. Sobe para conceder o gozo. Aproveita milímetro, diâmetro, altitude, as possibilidades de si que é corpo, que é carne, é osso, é madeira, é tubo, espanta fantasmas e vive hediondo: o prazer na aurora o prazer no crepúsculo o prazer aprofunda os mares, penetra nos ruídos do mundo.

Funk: uma batida compassada. Funk: um corpo cheio de pecados, um corpo fino de virtudes, o corpo da excepcional atitude diante do desafio: dançar, sem vergonha, quebrar, os tabus, cheirar, o perfume do animal no cio, tocar, o triângulo baixo e o umbral fálico, provar, os gostos mais apetitosos e temidos, ver e ouvir aquilo: o que fura os ouvidos enche de gás o balão.

Dança Funk

Raphael Vidigal

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7 Comentários

  • Nunca vi algo que descrevesse e focasse a dança do Funk. Só via sobre a música.

    E aqui… faltou um dançarinO aí! Funk exibe seXualidade e testa a coordenação motora e força de ambos os sexos. né? ^^ Porque ô dança energética, viu! De suar a camisa.

    Resposta
  • Obrigado a todos pela participação e comentários!
    Alessandra Prado, tem TODA razão! Faltou mesmo. Providenciarei para a próxima! Crítica pra lá de construtiva. heheh. Só mesmo um olhar feminino nessas horas para tirar-nos a viseira. ^^

    Resposta
  • FUNK – A MÚSICA SATÂNICA

    “…Porque o homem se torna ESCRAVO DAQUILO QUE O DOMINA…”

    2 Pedro:19

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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