Dança: Antônio Nóbrega

Espetáculo proporciona texto, imagem e som com rebuliço brasileiro

Dança

Ninguém mais tem paciência para sentar e ouvir. Mas com Antonio Nóbrega é necessário o gesto. Munido por conhecimento de causa, suscita na platéia dúvidas e respostas. Afinal, toca rabeca ou violino? Nenhuma, é a questão. Todas, a solução.

Condecorado embaixador pelos ouvintes atentos, balanceia sentidos vários em três categorias. Chama ao palco as moças, recatadas pelos músicos dotados, transmitem em carne e osso o que as imagens digitais passaram, e cada obra tem sua verdade.

O périplo tem início quando o baixinho músico, compositor, dançarino atravessa com as meninas percurso que vai ao âmago do Brasil mexedor, buliçoso, sarapatel e estrogonofe recebem a mesma atenção em cena. De cantigas ribeirinhas a peças clássicas de Tchaikovsky e Bach os instrumentistas mostram a que vieram.

Flocos de algodão desprendem-se dos seios das dançarinas quando deslizam em movimentos sutis. Bruscos gracejos ocorrem em união de homem e criança, na espalhafatosa interpretação de Nóbrega e suas acompanhantes, Maria Eugênia Almeida e Marina Abib. É a temperança da dança, sublinha.

Uma melindrosa senhora arrepia-se ao paparicar o pretenso namorado, para depois cair na augura sem perdão ou culpa. Travestido com máscaras e fantasias típicas do interior brasileiro, nordestino, mineiro, paulista, europeu, o dançarino coloca na roda uma confusão de cores alegóricas e pontuais.

Como uma dobradiça o corpo é um cedilha na enunciação dos protagonistas: Nóbrega e as bailarinas: tronco ao leste, raízes a oeste. Amêndoa de fruto e semente, degustada na perseverança onírica das fadas de cauda.

Afobando causos, os três ressaltam em cena o famoso ‘jeitão’ de situar o corpo à disposição do léxico e movimentos da vertigem e proeza. Um acompanha o outro em seu contrário e complemento. A carta na manga, matéria inalienável, pende um degrau acima das cabeças baixas. Propõe o estupor para retomar consciência.

O poeta García Lorca empresta o prefácio inicial da experiência do dançarino, ‘Teoria e Jogo’, de uma Dança Brasileira complementam o título prescrito por Dominguinhos, um remédio com nome de ‘Naturalmente’, tão bom para a alma quanto pro pedaço que esbarra translúcido nos saracoteios do dia-a-dia.

Geringonças saídas do forno, a lenha, esquentam esquemas espetaculares e terrenos, ao que aplausos são ofertados de pé, cor, salteado e gengibre e fubá, boi-bumbá. Cleber Almeida (bateria), Daniel Allain (sopros), Edmilson Capelupi (cordas), Edson Alves (cordas), Will (trombone), Léo Rodrigues (percussão), Olívio Filho (acordeão) e Zé Pitoco (sopros e zabumba) são apresentados um a um, na ordem inversa do descrito no texto.

Quase no fim, Jacob do Bandolim se instaura, demonstrando o choro ser tanto rasteiro quanto ágil, tão ao céu quanto ao buraco, pois a ‘simplicidade’ é suplicada nas alturas. Antonio Nóbrega declara fio e navalha que cortam o lombo de sua rebelião: não toca nem rabeca ou violino, mas o próprio corpo.

Antônio Nóbrega e dançarinas

Raphael Vidigal

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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