Crítica: “Um Interlúdio: A Morte e a Donzela” é realista sem panfletar

“Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto” Ana Cristina Cesar

Espetáculo é protagonizado por Christiane Antuña, Gustavo Werneck e Nivaldo Pedrosa

Não é raro que um espetáculo entregue o protagonismo para seus intérpretes, tanto em cinema quanto no teatro. Em relação à 7ª arte são casos clássicos a adaptação “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” e “Uma Rua Chamada Pecado”, com Marlon Brando e Vivian Leigh. Curiosamente, ambas oriundas do teatro. Ou talvez não seja, tão somente, um motivo curioso; bom frisar que tanto uma quanto a outra possuem textos de altíssima qualidade. Categoria que serve para abranger, certamente, “Um Interlúdio: A Morte e a Donzela” em que, a despeito da nitidez e contundência das palavras são os atores Gustavo Werneck e Nivaldo Pedrosa e a atriz Christiane Antuña quem se destacam em ambiente que oferece várias opções para contemplação: a luz atua diretamente na história, a direção sabe conjugar seus artefatos e a música sublinha toda a narrativa emocional e psicológica. Não é por acaso que se extraiu dela o nome da montagem, em referência à obra de Schubert que certamente serve para designar as duas personagens que travam ali a sua batalha: donzela e a morte.

É verdade que o ritmo, por algumas vezes, peca, como se certas passagens estivessem ali somente preparando terreno para que a crescente tensão retorne, ou definitivamente se instale. Mas ao tratar de tema tão traumático e nebuloso quanto o período da ditadura militar no Brasil, ocorrido após um golpe, e sua mais atroz prática, a tortura, é mérito do espetáculo que ele consiga objetivar a realidade sem que para isto precise panfletar ou recuse o teatro. Quando necessário, a fim de ampliar a força dramática da história, recursos cênicos são utilizados sem o temor de parecerem artificiais ou forçados em cenário que apresenta estrutura modesta e cômoda. Sobretudo, a peça supera sua condição exposta ao perpassar temas tão contemporâneos quanto os que dizem respeito ao feminismo, a sede por justiça, a maneira com que se obtêm confissões, colocando-se em cheque, por que não, as já famosas delações premiadas, e insere, assim, o seu suspense em forma de arte. Incomoda, provoca, sugere, desloca e, principalmente, nos contempla a dúvida.

Ficha técnica
Inspirado na obra de Ariel Dorfman.
Direção: Wilson Oliveira.
Com Christiane Antuña, Gustavo Werneck e Nivaldo Pedrosa.
Iluminação: Geraldo Octaviano/ Cenário: Ed Andrade e Bruna Cosfer/Trilha Sonora: Márcio Monteiro/Figurino: Tereza Bruzzi/Objetos de cena: Antonio Lima/Confecção de figurino: Maria Antônia Ferreira/Preparação corporal: Eliatrice Gischewski.

Montagem da Cia. Encena tem direção de Wilson Oliveira

Raphael Vidigal

Fotos: Guto Muniz.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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