“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” Fernando Pessoa [Álvaro de Campos]
É difícil enumerar as qualidades de “máquina”, espetáculo da miúda cia. de teatro, não pela raridade, justamente em razão da fartura. Pois é esse um espetáculo raro, a começar pelo cenário, seu maior destaque. Além da inventividade, a estrutura, a despeito de sua rigidez aparente, não bastasse o fator estético ali se coloca com a finalidade de ressaltar as emoções das personagens, devolvendo o teatro ao seu lugar de origem: o espaço lúdico da criação, do deslocamento, do brincar e da transformação – pois se coloca é um equivocado modo de dizer, a estrutura, em verdade, desloca-se e nos leva juntos. É esse movimento constante e nunca óbvio – mas que não se apresenta como mera acrobacia estética, ao contrário, interfere pontualmente na história – que permite à narrativa, também, transitar pelos gêneros que sustentam a complexa natureza humana, como o humor, a tragédia e o romance, ao refletir sobre a morte, e não apenas, abranger questões relativas a maneiras de organização política e como elas afetam diretamente as relações interpessoais. O texto, inspirado em obra de Valter Hugo Mãe, só contribui para o espetáculo.
A direção de Cláudio Dias organiza todos esses elementos e alcança um quadro harmônico, com ritmo, consistência e forma, e ainda surpreende no uso dos elementos cênicos, o que oferece ao espectador o espanto necessário para tomar consciência a partir de sua emoção. A construção das personagens pelos jovens atores é outra característica muito bem conduzida, e aqui a questão temporal é ressaltada pelo desafio de encararem situações pelas quais ainda não passaram, ao imprimirem, de forma certamente afetuosa, suas condições sobre a de pessoas muito mais velhas e com problemas inerentes ao envelhecimento, e nesse exercício de empatia gera uma inevitável comoção sobre a plateia, que também terá a oportunidade de refletir, a partir desta circunstância, sobre o “colocar-se no lugar do outro”. Trilha sonora, figurino, iluminação afetam o tanto quanto o possível os passos que se desenrolam, e configuram mais um acerto da montagem que, aliás, sugere dois pontos para debate em relação à cena contemporânea: o tempo, sua duração; e seu ápice, que não é reservado ao final, mas, ao contrário, distribui-se ao longo da peça.
Ficha técnica
Inspirado na obra de Valter Hugo Mãe.
Direção, dramaturgia e preparação corporal de Cláudio Dias.
Com Babú Pereira, Carolina Cândido, Diego Roberto, Éder Reis, Flor Barbosa, Natália Pereira, Marina Tadeu, Priscilla Zopelaro, Ramon Brant, Tom Castro e Vanessa Machado.
Cenografia e Figurino: Cláudio Dias e Thálita Motta/Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho/Trilha Sonora: Gabriel Cesário/Preparação vocal: Ana Hadad/Costureira: Maria Vieira/Tricô: Norma Sônia Fernandes Dias/Cenotécnico: Daniel Sotero.
Raphael Vidigal
Fotos: Raquel Carneiro; e Daniel Bianchini, respectivamente.