“Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:
então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.” João Cabral de Melo Neto
Embora tenha se destacado de seus pares o holandês Piet Mondrian foi um artista de grupo, de movimento e estilo. Primeiro porque acreditava no público em detrimento do privado e no coletivo em detrimento da esfera individual. Munido de concepções advindas da teologia, filosóficas e políticas, concebeu, através dos anos, o que viria a se denominar como “Neoplasticismo”, aonde a arte adquiria um novo domínio, pois ao abandonar as convicções realistas não apenas deixava de ser mera captadora do ambiente como emergia frente a uma nova e reveladora ambição, a de interferir, objetivamente, sobre a percepção humana e, com isto, modificar os seus atos, por conseqüência direta. Eram os anos que precederiam a Primeira Guerra Mundial, e mesmo durante e um pouco depois as relações humanas pareciam tão ou mais absurdas do que estruturas geométricas se estipularem como a modernidade.
A compreensão do sonho, da fantasia, do impalpável aparece sob a perspectiva da utopia e não do surrealismo, do qual muitos dos integrantes de todo o processo eram críticos contumazes. Fagulha explorada mais tarde por nomes como Hélio Oiticica e Lygia Clark nas artes plásticas em território nacional, mas que, certamente, também serviu de referência no campo da literatura àqueles que fundaram a poesia concreta, como Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Este, aliás, é um dos grandes acertos da exposição realizada no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Belo Horizonte, até o próximo dia 26 de setembro, com entrada gratuita, o de dar continuidade, munida pelas inovações tecnológicas, à intenção primordial de Mondrian e seus companheiros da revista “DE STIJL”, em tradução literal, “O ESTILO”, conectar a arte abstrata diretamente ao mundo concreto e, ainda, modificá-lo.
Desde as primeiras telas de Mondrian que ganharam destaque, influenciado por nomes como Van Gogh, Seurat e Cèzanne, percebe-se o uso de cores vibrantes, fortes, e que denotam a busca por certa atmosfera da paisagem, distanciando-o desde sempre de qualquer realismo. Com o passar dos anos, a crueza matemática que imprime às telas é, embora se diferencie com certa radicalização, movimento vertiginoso e entregue na busca de uma pureza, do essencial, mas, sobretudo, de uma arte, por desfeita de indicações específicas, plural e universal, cuja identificação deve ocorrer, intuitivamente, por memórias e concepções do mundo ligadas à infância, à simplicidade, quando os conceitos moldados por uma sociedade de consumo não tenham ainda deturpado nossos valores mais caros e justos. Por todas essas peculiaridades o legado do pintor estendeu-se a arquitetos, gráficos, marceneiros e designers. Pois ao final Mondrian atingiu um sem número de camadas estéticas e sociais.
Raphael Vidigal
Pinturas: Obras de Mondrian.