“Fosse boa cristã
entregava a Deus o que não entendo
e arrematava o bordado esquecido no cesto.” Adélia Prado
Desamparo, desalento, desolação são palavras que ajudam a explicar o universo dúbio do cearense Leonilson. Assim como revolta, ironia e indignação. Em ambos os casos, a causa comum do artista que se radicou e morreu em São Paulo. A palavra “abandono” talvez seja a mais forte de toda a literatura desse artista plástico, que embora tenha se valido, na prática, de inúmeras delas, deixou, sobretudo esta, impressa em imagens que contemplaram tanto cores fortes quanto o vazio, o branco. É certo que em toda arte procura-se o sentimento, o que em Leonilson é a própria matéria-prima; definida pelo minimalismo, a técnica apurada, o enorme arcabouço teórico e, principalmente, a forma íntima de se aproximar sob uma luz sincera e reveladora.
O título da exposição apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, “Truth, Fiction”; expressão do gosto pela língua inglesa de Leonilson, revela que, assim como o poeta Wally Salomão procurava teatralizar a existência, o artista plástico também se vale deste recurso, afinal “verdade” e “ficção” aparecem num jogo de consentimento, em que a performance auxilia a suportar o susto e a dor das quedas, das desavenças, das incompreensões. Conseqüência desse abandono; seja de Deus, dos amantes, da ciência que é incapaz de curá-lo do vírus da AIDS, da sociedade que o agride por sua homossexualidade ou do mercado, a solidão se condensa no traço simples e sofisticado de Leonilson, um artista de linhas, bordados e carnes.
Raphael Vidigal
Imagens: obra de Leonilson e retrato do artista, respectivamente; arquivo e divulgação.