“nos dois estados encontro pontos de contato – o principal é a distância. Ainda que só diante da loucura tenha experimentado a sensação de eternidade.” Maura Lopes Cançado
Original desde o princípio, a ousadia da “Miúda Cia.” aparece logo no prospecto do espetáculo, que em nada lembra a economia em voga no tal aspecto, e já anuncia bons prenúncios. De fato, a peça mostra a que veio, embora necessite certo tempo de maturação, o que encontra em seus 80 minutos de duração, com momentos mais altos do que outros, constatação compreensível, afinal de contas mesmo os clássicos dão suas derrapadas ou apresentam situações mornas que muitas vezes servem de preparação para o que seria o ápice. É certo que a narrativa fragmentada, quase episódica, dispersa a forma habitual que pressupõe início, meio e fim, o que não anula, contudo, o que podemos chamar de escalas na construção dramatúrgica. Os degraus de “19:45!”, por fim, se equilibram sobremaneira, com ritmo e harmonia.
A direção de Rita Clemente, que também assina a dramaturgia, toma conta da cena como principal responsável pelo êxito da montagem, compensando até eventuais irregularidades no texto, especificamente quando adota a tonalidade dramática. A narração em off soa empapada, e sua gordura a torna excessivamente artificial e sofisticada, sem o apuro da simplicidade. Nessas horas ocorre um óbvio distanciamento ante a história, inclusive na apreensão das metáforas que, reverente à estética, deixa vazar o seu conteúdo. A utilização dos objetos cênicos segue caminho contrário, é viva, inventiva, veloz, pulsante, e, com todo o lúdico permitido ao teatro ele toca e costura os temas mais espinhosos da atualidade com a fineza e ferocidade duma lâmina. Sempre que opta pelo sarcasmo, a abordagem tem sua pertinência ampliada.
A trilha sonora preparada por Márcio Monteiro destaca-se à parte, e como se tornou praxe em nossos palcos transfigura-se num elemento tão importante e fundamental quanto demais personagens. A iluminação de Leonardo Pavanello e o cenário e figurinos a cargo de Thálita Motta são corretos e oferecem soluções pontuais para a peça. Os jovens atores Babú Pereira, Carolina Cândido, Diego Roberto, Éder Reis, Flor Barbosa, Natália Pereira, Marina Tadeu, Priscilla Zopelaro, Ramon Brant, Tom Castro e Vanessa Machado, para além do domínio do ofício, esbanjam a gana e vivacidade inerentes à idade, e que fazem bulir na cena com o sopro de um respiro último ou duma vontade incontrolável, o que nos leva à lembrança de que o teatro, para além dos seus artifícios, suas mazelas e condições, é vida, apesar de tudo, e é vida, sobretudo. E que, talvez, seja ele a salvar-nos.
Raphael Vidigal
Fotos: Mateus Santos.