Cinema: Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha

“Quero rasgos de lirismo tão incoerentes no meio da lama que cheguem a soar absurdos, com momentos de loucura.” Caio Fernando Abreu

Na luz vermelha cometem-se crimes no Brasil a torto e direito. Jornais cinzas e amassados repercutem os fatos em calhamaços pouco gastos. Locuções empostadas ecoam nas rádios azuis recompondo a gravidade do sangue coagulado. Ah mas por Arrigo Barnabé vocês não esperavam…

O tempo antigo da trama é soberba duma diretriz pensada para homenagear o pai da criança. Toma, o filho é teu, Rogério. Helena Ignez dirige o conversível com aliança de prata e revólver de borracha. Turva qual uma lacraia, alimenta-se dos ratos desesperados na fuga da sarjeta.

O chefe de polícia de queixo entortado e esganiçada tosse rouca, misturada à fábula da risada, age como uma personagem da “Corrida Maluca”, e é o cachorro de Dick Vigarista, cujo sobrenome do dono lhe serve como coleira clerical melhor dissimulada ao pescoço gordo e laico. Arrigo Barnabé, um encourado, pede-me Ariano Suassuna.

Marginal beleza e Ney Matogrosso trocam confidências, cartas de rancor, juras e ajoelham-se diante do padre, embora o ateísmo impregne a alma da cruz ao rosário. Servida fresca, tinta, tinto, vinho amargo, a ironia pisca, beicinho de rosa batom e presente embrulhado, sonho de valsa, bombom. Lê livros de samurai, místicos e ninjas lutam, desbravam bravatas de gravata borboleta e espichada. O escárnio.

Uma dona de rejeito e lajota pisa nas arco-camufladas luas do filho do filho o lobo do lobo do ovo do uivo do homem. Tudo ou Nada é o André Guerreiro Lopes e a sua noiva a Djin Sganzerla, assim formalidades e monumentais empresto-lhes o papel de protagonistas, pois voa que sem o aceso da pedra em clima, pesa nos ombros dos dias atuais.

Trevas nus refletores holofotes luz e a agridoce seita, o passado não é tão antigo quanto se via n’outros ventos. Thunderbird, Sérgio Mambertti, Paulo Goulart, Simone Spoladore, Maria Luísa Mendonça, Bruna Lombardi, Criolo, Ícaro Martins, Ney Latorraca ultrapassam e retomam, revoltos, revoltosos, pendulam, moram sobre o infinito destino trágico dum bandido perdido, ridículo, antinatural.

Ao final da sessão, um homem levanta-se atado: “- Eis um filme de arte!”

Brega e troncho, bocheche, soluce.
Desta água.
– Nunca diga.
Açúcar sem.
Não tenha medo de soar o sino.

Raphael Vidigal

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14 Comentários

  • Magnífico!!! Quero pagar pra ver. E com referências de RAPHAEL VIDIGAL, a vontade multiplica-se….um dever!

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  • Perfeitooooo!!!!!!!!!!!!!!!

    Adorei!!!!!!!!!!!!

    Ótima chamada!

    “Na luz vermelha cometem-se crimes no Brasil a torto e direito. Jornais cinzas e amassados repercutem os fatos em calhamaços pouco gastos. Locuções empostadas ecoam nas rádios azuis recompondo a gravidade do sangue coagulado. Ah mas por Arrigo Barnabé vocês não esperavam…”

    Harmônica sonoridade!

    “Uma dona de rejeito e lajota pisa nas arco-camufladas luas do filho do filho o lobo do lobo do ovo do uivo do homem. Tudo ou Nada é o André Guerreiro Lopes e a sua noiva a Djin Sganzerla, assim formalidades e monumentais empresto-lhes o papel de protagonistas, pois voa que sem o aceso da pedra em clima, pesa nos ombros dos dias atuais.”

    Resposta
  • Amo o Ney Matogrosso! Também já estou doida pra assistir…
    Beijos, Raphael!

    Resposta
  • Sem dúvidas, um filme diferenciado dentro do burocrático cinema atual. Obrigado pelos comentários. Grande abraço a todos!

    Resposta

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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