Cinema: Habemus Papam

“A beleza será convulsiva ou não será.” André Breton

Filme de Nanni Moretti

O cinema, não se deve tomar por inteiro. É um facho de luz, um feixe na cortina, o olhar, de quem filma. Um tacho de mel, a raspa da rapadura, o escândalo que nos vaticina. Sobre disso nos fala Nanni Moretti, no filme dele: “Habemus Papam”. Quero privilegiar as cenas de que me contaram, das quais nem o meu olhar foi refém. Não aguentei frequentar a saga do doloroso Papa em martírio. Por sono, pena, chuveiro quente à minha espera.

O cineasta italiano, que também atua no filme como um inveterado psicanalista, tenta em vão usar de conhecimento técnico para ‘curar’ o Papa, interpretado pelo veterano e bom de guerra Michel Piccoli, explicitando que suas teorias talvez sejam tão furadas e crentes num Deus como a da Igreja Católica, alvo do esbalde crítico do diretor.

Pois bem, o recorte da trama é a cortina de fumaça branca que se joga sobre os cardeais, e obviamente o próprio Papa, durante todo o tempo. Propondo o paralelo entre a peça de teatro “A Gaivota”, do dramaturgo russo Tchecov e as encenações católicas, Nanni aponta o dedo para avisar que ambos se eximem duma realidade, ao menos aparentemente.

É, porque concomitante a isso, o mesmo diretor alerta para que tal visão é apenas a que escapa das cortinas vermelhas e túnicas tingidas de ouro, ou seja, o que se expõe ao grande público adorador das cerimônias que servem de acalento ao homem: pois no núcleo tanto santos quanto sacristãos quanto mortais meros estão fumando, afogando mágoas em remédios prescritos, estimulando a competitividade inerente em jogos que podem soar divertidos ou gananciosos.

A fuga atabalhoada do carismático Papa, eleito mas não preparado para o cargo em sua consciência tumultuada (como as ruas nunca dantes exploradas de uma Roma em polvorosa), rende os momentos de comédia, para quem vê de longe, e tragédia, para os envolvidos diretamente no confuso problema do ser “mais próximo de Deus”. E que por ironia nenhuma é também o mais fraco, mais suscetível a dúvidas, e ávido por deleitar-se em desejos comuns: por exemplo, ser ator.

As interpretações individuais de cada cardeal (destaca-se Renato Scarpa), assim como do porta-voz da Igreja Católica no Vaticano (vivido por Jerzy Stuhr), do repórter desinformado e da mulher psicanalista (Margherita Buy) sublimam o caricatural, sem se importar com a relevância do realismo, e garantem a boa dose de qualidade de entretenimento do filme: um misto de reflexão e situações insólitas, como talvez seja a vida. Nem tão a sério, nem tão dramática.

Habemus Papam

Raphael Vidigal

Compartilhe

Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn
Email

Comentários pelo Facebook

12 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Recebas as notícias da Esquina Musical direto no e-mail.

Preencha seu e-mail:

Publicidade

Quem sou eu


Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

Categorias

Já Curtiu ?

Siga no Instagram

Amor de morte entre duas vidas

Publicidade

[xyz-ips snippet="facecometarios"]