“Viver, depois colocaremos uma etiqueta.” François Truffaut
Quem interpreta tem o costume de dizer que o trabalho acontece no corpo. Não através ou com, mas nele: tanto dentro quanto fora desta matéria que nos permite a existência terrena. No caso de Jeanne Moreau essa construção não ficava explícita. Difícil determinar se ali havia psicologismo, intuição ou preponderância física, fato é que o gesto se ajustava às intencionalidades – isto dito em seus melhores momentos no cinema assim como na amplitude das possibilidades cênicas, pois é o que se cristaliza dos ícones. Dito isto, o que permanece de Jeanne Moreau – em clássicos da tarimba do cínico “Os Amantes”, dirigido por Louis Malle; o existencialista “A Noite”, de Antonioni; e, principalmente, o provocativo “Jules e Jim”, de Truffaut – é o olhar inquisidor da atriz, tanto ou mais afirmativo em relação ao timbre de voz levemente travesso.
Das personagens que a sétima arte lhe permitiu viver com intensidade nos referidos longas-metragens, Moreau soube combinar a argúcia das frases atribuídas a ela – sem exceção, aqui, desta regra, concebidas por homens – a um desejo de libertação feminina já premente naqueles anos 1960 onde o cinema de autor e a Nouvelle Vague francesa convergiram para transformar o cinema em sua estrutura estética e de conteúdo. Sem se deixar ofuscar pelo tamanho do desafio ou das personagens, Moreau, ao que tudo indica, reiterou a pujança do discurso de liberdade por uma consciência adquirida na prática da observação humana e de seus interiores: de dentro para fora ou de fora para dentro, fato é que a artista francesa de longa e aclamada trajetória – diga-se de passagem, com merecimento – externou na arte das imagens os desejos mais profundos, para além de uma única análise. Moreau personificou muitas almas.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.