“E se Marietta
Não tivesse posto o vestido de sua avó
Poderia ter subsistido, um mistério. Se Dolores
Não tivesse posto um chapéu com formato de peruca
Poderia ter permanecido exótica.
(…), e não se importava com charutos fortes.” Ezra Pound
O cinema de Jacques Rivette é o do tempo da reflexão, logo não deve assustar a duração de seus filmes. O mais modesto obedece às clássicas duas horas, e o mais extenso chega à incrível marca dos 720 minutos, ou doze horas. Sem abrir mão do rigor estilístico aprendido na época em que dirigiu e participou da famosa revista “Cahiers du Cinéma”, ao lado dos não menos célebres Jean-Luc Godard, François Truffaut, Éric Rohmer e outros nomes fundamentais da “Nouvelle Vague”, Rivette conseguiu se destacar de seus pares ao criar estilo que une o aspecto investigativo de Claude Chabrol à teatralidade de Alain Resnais. O que interessava a Jacques, além de desprender as amarras sociais com ácida crítica, era ir ao âmago, e com isto alcançar o mistério da vida.
Considerada a obra-prima do cineasta, “A Bela Intrigante” acompanha durante quatro ininterruptas horas a tentativa de um pintor frustrado em obter, através da figura de sua musa, uma expressão autêntica e singular. Já o “Bando das Quatro”, avaliado como síntese das ambições e inquietudes de Rivette, parte de um enigma insondável para questionar valores e percepções sobre a atuação e os papéis representados pela espécie humana. Um dos métodos mais controvertidos do diretor francês era a adoração pelo improviso, ao que se explicitava o paradoxo de um artista, à sua maneira, formal e rígido, que parece nunca perder o domínio de sua história nem de suas personagens. Talvez Jacques tenha percebido a importância das contradições e sua lógica para compreender a existência ou, ao menos, filmá-la com sabedoria.
É possível dizer de Rivette o que o brasileiro Domingos Oliveira afirmou a respeito de Federico Fellini, tido para ele como “o maior de todos”, de que “não filmou a vida, mas seu mistério”.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.