“sonhos de poeta
que terminam numa fábrica
um em um milhão despercebidos
compram sonhos vendidos em bares…” Miguel Piñero
Freqüentemente o cinema produzido pelo diretor Hector Babenco é adjetivado como áspero, cru, direto, e, sobretudo, pessoalíssimo. Não há dúvidas de que a condição de estrangeiro emprestou às películas do argentino naturalizado brasileiro todos os tons descritos acima e que o caracterizavam assim como sua visão e posição frente a um mundo diversas vezes injusto, excludente e reacionário. Portanto não é de se espantar que Babenco escolhesse olhar para seu semelhante, com o qual tinha hábil poder de dialogar pela imediata identificação, proveniente do conhecimento de causa. O semelhante era ele mesmo, refletido pelo espelho do cinema. Dentre os filmes de maior impacto, “O Beijo da Mulher Aranha”, “Pixote” e “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”.
No caso, a personagem de Hector é sempre aquela que não se encontra e não se sente reconhecida em nenhum lugar, sendo assim tratada por seu entorno. Estrangeiro e marginal, nessa perspectiva, convergem, diante de tais semelhanças, no mesmo sentido. Centrado nesta temática, adotou abordagem realista que o aproximava da narrativa de Plínio Marcos, salpicada por momentos de extrema noção poética, em que exibia o principal talento como observador do mundo, ao extrair do lodo uma esperança em suspenso. É assim, pois, que embora crítico e intransigente, Babenco resiste a ser taxativo, esgarçando fronteiras e permitindo que o sonho prossiga em meio à barbárie. Capaz de conciliar consciência e idealismo, aspecto raro em seu meio.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação e Arquivo, respectivamente. Na segunda imagem, o diretor nas gravações de “Pixote – A Lei do Mais Fraco”.