“Se têm a verdade, guardem-a!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da
técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?” Fernando Pessoa [Álvaro de Campos]
Antônio Abujamra era um canastrão. É o que “corria à boca pequena em Porto Alegre”, revela Paulo César Peréio na entrevista ao “Provocações”, programa que Abujamra conduziu por mais de 14 anos na TV Cultura. A figura imponente e segura, o tom grave e dramático, emprestado das tragédias gregas (“Ai de mim, essa palavra deveria ser dita por uma Medéia”, dizia na abertura), a recusa ao pedantismo e ao mesmo tempo da modéstia são adjetivos e observações que não dão conta do tamanho da importância de Antônio Abujamra para a cultura e a arte no Brasil. Talvez por isso a comparação seja um meio mais efetivo no esforço de analisa-lo, de defini-lo: em termos de qualidade a associação é a Pelé no esporte. O que também dá a dimensão da diferença de tratamento a essas duas esferas. Pegando-se emprestada outra provocação de seu amigo Peréio, pode-se dizer que, assim como Paulo César, Abujamra não era “um ator característico, mas essencial, aliás eu não tenho nenhum caráter”, concluía.
O que interessava a Abujamra eram as questões fundamentais, por trás da gordura, do excesso, do maneirismo, do ego e da adulação. A descrença como um princípio e a incoerência como finalidade permitiram a essa lacuna um preenchimento robusto, diverso, policromático. Abujamra era culto, irreverente, imprevisível dentro de sua previsibilidade (repetia as mesmas perguntas a todos os entrevistados: “O que é a vida?”, “Como você gostaria de morrer”?) e se valia de máximas para ampliar o entendimento: “A vida é uma causa perdida”; “Felicidade é uma ideia velha”; “O teatro pode ser tudo, menos chato”; “O abraço é a única coisa falsa desse programa”; “Essa foto só vai sair no jornal quando você morrer ou quando eu morrer”; “Eu proíbo a palavra importante, eu proíbo a palavra humano, a barbárie tem o rosto humano, então eu não preciso usar, proíbo a expressão ‘eu acho’. O achismo é uma bobagem”, foram algumas das que deixou.
Na leitura de poemas ao final de cada apresentação, no trabalho teatral como ator, diretor e fundador da companhia “Os Fodidos Privilegiados” e do “Grupo Decisão”, como o Ravengar da novela “Que Rei Sou Eu?”, e em diversas participações cinematográficas, Abu, como era conhecido pelos amigos, deu à existência um sentido de beleza. Embora tenha se recusado à palavra “deixar”.
Não morrer foi sua primeira provocação.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.
1 Comentário
oxe, se Abujamra era canastrão, quem é bom ator?? Alexandre Frota, dado Dolabella??