Análise: 80 anos de Rolando Boldrin, herói da memória nacional

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Êta país tão sinfônico
Que é da América, da América do Sul
Êta país biotônico
Que é do Jeca, do Jeca-Tatu” Rolando Boldrin

Rolando Boldrin desmente duas máximas, uma brechtiana e outra tupiniquim. Pela ordem: “Infeliz a nação que precisa de heróis”; e “O Brasil é um país sem memória”. Rolando é o herói da memória nacional. Fácil provar a hipérbole. Contra a invasão de sertanejos pop, ele mantém, há mais de década no ar, pela valente TV Cultura, um programa de música caipira, não só na vestimenta, no sotaque, como, sobretudo, no espírito, na reverência aos ensinamentos dos simples, ao aprendizado empírico daqueles que creem acima de tudo “nos seus cinco sentidos, o testemunho os leve para onde for geralmente eles não têm medo”, para citar, desta vez com razão, mais uma frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Isto tudo porque Rolando não faz mais do que dar vazão e espaço a uma terra e, principalmente, a uma gente que ele conhece bem. Neste caso, tecer loas à tradição é provavelmente a maior ousadia de Boldrin.

Natural de São Joaquim da Barra, lá pelos interiores da maquinal São Paulo, Rolando diversificou suas atividades desde o princípio até se consolidar como apresentador, no que é bem verdade que continua, com esta função, a exibir sua variedade de talentos. Ali ele canta, conta causos, atua, mostra as próprias composições e ilumina as de tantos autores cujo Brasil ou desconhece ou tem o hábito de virar a cortina, a página. Mas é preciso pra virar a página conhecer seu passado, alguém já deve ter dito cultuando a história. Em tempos cujo descarte acelera a proposta capitalista de consumo acelerado, Boldrin e suas peripécias, andanças, ensinam um modo de vida em que a plenitude do momento é aproveitado em si, no doce de goiaba, na rapadura, no café quente, na galinha ao molho pardo preparada no forno a lenha, nada destas atividades serve de trampolim para ambições futuras. O passado, por vezes, nos fala muito mais do agora do que o futuro. Feliz da nação que tem Rolando Boldrin.

Músico, apresentador e contador de "causos", Rolando Boldrin

Biografia. Rolando Boldrin nasceu em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, no dia 22 de outubro de 1936. Ator, cantor, compositor e apresentador, ele aprendeu a tocar viola ainda na infância, e o instrumento logo se tornou uma paixão em sua vida. Tanto que ele compôs o hino à viola “Vide Vida Marvada”, que se tornou prefixo musical do “Sr. Brasil”, programa que ele apresenta desde 1981, com passagens pela Rede Globo, SBT, Bandeirantes e TV Cultura. Com mais de 20 discos lançados e uma vasta carreira na teledramaturgia brasileira, Rolando Boldrin é autor de músicas como “Êta País da América”, “Eu, a Viola e Deus”, “Crônica do Tempo”, entre outras. Também são famosos os causos que ele conta na TV, retirados da nossa sabedoria popular. Em 2017, ele participou de “O Filme da Minha Vida”, com Selton Mello.

“Êta País da América” (moda de viola, 1980) – Rolando Boldrin
Autor dos versos “êta país tão sinfônico/ que é da América, da América do Sul/ êta país biotônico/ que é do Jeca, do Jeca-Tatu”, presentes na música “Êta País da América”, Rolando Boldrin tinha por princípio receber apenas artistas ligados à tradição da música caipira no início da carreira como apresentador, mas, com o tempo, passou a ampliar o leque e a dar espaço para nomes tão diversos e complementares como Chico Anysio, Milton Nascimento, Cida Moreira, Luiz Melodia, Dominguinhos e grupos como Demônios da Garoa. Outra característica alcançada foi a de abrir oportunidades para novatos na cena. “Êta País da América” foi lançada, em 1980, por Rolando e a então esposa Lurdinha Pereira, e foi regravada por Almir Sater, um de seus pupilos.

Fotos: Pierre Yves Refalo/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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