“Já que a voz do injustiçado não é ouvida eles têm direito à cólera.” Plínio Marcos
Reza a lenda que Nelson Rodrigues não salvava quase ninguém no teatro brasileiro, na categoria dos dramaturgos, e mais do que para não cair ele mesmo num cenário unânime, elegera uma sonora exceção. “Esse Plínio Marcos é bom”, palavras que teriam sido ditas pelo autodenominado “anjo pornográfico”. Outra especulação curiosa sobre Plínio Marcos é a de ser o autor mais censurado do país. A essas benesses, respondia sem falsa modéstia, e com o senso de humor afiadíssimo: “Fiz por merecer. Nunca fiz nada para agradar ninguém”, e, quando finalmente o Brasil se livrou do regime militar, nem por isso deixou de marginalizar Plínio Marcos, que arrematava, “a nova censura é a mídia”.
O teatro de Plínio Marcos, suporte que abrigou com maior relevância e destaque suas produções artísticas, é tão característico quanto o daquele que o elogiou. Tanto Nelson Rodrigues quanto Plínio colocam o dedo em feridas sociais, nos quadros de imobilidade e no que o comportamento humano instaurou de artificial e hipócrita em suas construções civilizatórias. Em Plínio Marcos toda a afetação é extirpada e o que resta é o retrato humano em sua crueza e hostilidade, contra o qual grita com uma voz mordaz e audaciosa. O autor aponta sua lente para os excluídos, fala “da gente que sempre pega a pior, que come da banda podre, que mora na beira do rio e quase se afoga toda vez que chove e que só berra da geral sem nunca influir no resultado”.
Esses versos – declamados pelo artista em álbum que recebeu vários nomes, dentre eles “Nas Quebradas do Mundaréu”, gravado com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro – exacerbam uma evidente situação de risco, do perigo iminente, diário, cotidiano, em que a violência atua como principal fator de equilíbrio e desequilíbrio nas relações. Se no teatro de Nelson Rodrigues há uma violência voltada para a classe média e, sobretudo, psicológica, que vez ou outra emerge para a superfície, em Plínio Marcos essa imersão é constante, e o subterrâneo alcança as vias de fato, os tapas, os bofetões, as ofensas às quais está entregue a maior parte da população. Plínio arranca das entranhas o pior da existência e, ao moldá-lo para o teatro, alcança o incrível resultado de exprimi-lo como na origem e com verdade.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Ary Brandi, respectivamente.