Hermínio Bello de Carvalho foi gravado por Gal, Bethânia e Elza Soares

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Trevas.
Que mais pode ler
um poeta que se preza?” Paulo Leminski

Hermínio Bello de Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, no dia 28 de março de 1935. Compositor, poeta e produtor musical, ele esteve à frente de espetáculos históricos, como “Rosa de Ouro”, protagonizado por Clementina de Jesus, Aracy Cortes, Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Nelson Sargento na década de 1960. Como compositor, tornou-se parceiro em canções célebres de Cartola, Paulinho da Viola e Dona Ivone Lara, além de colocar letra em chorinhos de Jacob do Bandolim e Pixinguinha, dois ases do gênero. Graças a esse talento literário e musical, Hermínio acabou gravado por nomes como Gal Costa, Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso, Maria Bethânia, Nara Leão e Alcione.

“Doce de Coco” (choro, 1951) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
Para manter viva a memória da música de Jacob, o produtor e pesquisador musical Hermínio Bello de Carvalho decidiu colocar letra em choros emblemáticos do compositor, anos após o seu falecimento. Foi assim que, em 1980, nasceu a letra de “Doce de Coco”, lançada por Elizeth Cardoso, uma das cantoras mais próximas do mestre do bandolim, que dividiu disco, show e uma amizade com ele. Assim, o “Doce de Coco” do choro de Jacob é o nome carinhoso pelo qual o personagem da história chama sua amada. Nos versos líricos ele implora, se humilha para que ela repense o amor dos dois. A música ganhou regravações de Ney Matogrosso, Zélia Duncan e Dominguinhos.

“Noites Cariocas” (choro, 1957) – Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho
“Noites Cariocas” foi gravado por Jacob do Bandolim em 1957, com o regional de Canhoto, que o acompanhava na época. Apesar da excelência com que desenvolvia suas composições, o bandolinista ainda não vivia sua época de ouro, e acabou criando certo rancor por Waldir Azevedo, que ocupou seu posto na gravadora Continental e obteve grande sucesso de público e crítica. Três anos depois, Jacob regravaria o choro com o acréscimo do trombone do Maestro Nelsinho. Com seu estilo levado que remete bem ao samba, a música ganhou letra de Hermínio Bello de Carvalho, em 1979, com regravações de Ademilde Fonseca, Gal Costa, Áurea Martins, entre outras. Virou hit de Jacob.

“Fala Baixinho” (choro, 1964) – Pixinguinha e Hermínio Bello de Carvalho
Sobre suas músicas, Pixinguinha dizia: “Elas vêm, só isso”. Assim ele veio e soprou a vida, e se foi no mesmo sopro de flauta e saxofone, menos de um ano depois de sua amada companheira Betty, numa cerimônia de batizado. Ainda viva, Betty não sabia que Pixinguinha estava internado no mesmo hospital que ela e lhe visitava de terno e buquê de flores na mão como se viesse de casa.

Antes de morrer, o músico ainda teve tempo de receber homenagens no Teatro Jovem, Museu da Imagem e do Som, Teatro Municipal e na Assembleia Legislativa, com as presenças de Clementina de Jesus, João da Bahiana e outros bambas. A última música foi feita para Eduardo, segundo neto, filho de seu único descendente, Alfredinho, que ele chamou de “Eduardinho no Choro”. Em 1964, Hermínio Bello de Carvalho letrou um bonito choro do compositor, gravado belamente por Maria Bethânia em 1999, com uma determinação implícita: quando lembrar de Pixinguinha, “Fala Baixinho”, que o coração ouve.

“Cicatriz” (samba, 1965) – Zé Kéti e Hermínio Bello de Carvalho
A união entre Zé Kéti e Nara Leão, que começara com a gravação daquela música sobre as andanças de um boêmio, se estenderia até os palcos de teatro sob o nome de “Opinião”. A música composta por Zé Kéti sobre o processo de remoção de favelas que era executado pelo governo da Guanabara, seria o mote perfeito para que, no final de 1964, os artistas pudessem dar o seu primeiro grito de liberdade silenciada. No mesmo espetáculo, foi interpretado o samba “Cicatriz”, parceria de Zé Kéti e Hermínio Bello de Carvalho, e que também tocava nas feridas políticas e sociais do país.

“Modinha” (modinha, 1966) – Maurício Tapajós, Hermínio Bello de Carvalho e Cacaso
Ouvir Elizeth Cardoso (1920-1990), principalmente em seus primeiros registros, nos lembra de um tempo em que qualquer disquinho de música brasileira contava com uma orquestra de dar gosto. Claro que a Divina, epíteto dado pelo compositor Haroldo Costa, estava longe de ser diminuta. Nascida há cem anos e morta há trinta, vítima de um câncer no estômago, Elizeth surgiu, ainda criança, em um cenário aonde reinava a voz poderosa de Vicente Celestino (1894-1968), o “Ébrio” do amor que dominava como ninguém os dós de peito, de quem ela cantava uma pá de sucessos ao preço de dez tostões recolhidos da vizinhança. Em 1967, ela gravou “Modinha”, parceria de Maurício Tapajós, Hermínio Bello de Carvalho e Cacaso, lançada um ano antes por Fernando Lébeis.

“Mudando de Conversa” (samba, 1968) – Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho
“O Almirante me chamou na TV Tupi para gravar o programa ‘Ela & Ele’, com o Lúcio Alves. Eu disse que não tinha condições de fazer porque iria desmaiar quando visse aquele homem. Mas aí o Almirante disse que quem mandava era ele!”, recorda, aos risos, Dóris Monteiro. “Sempre tive verdadeira loucura pelo Lúcio Alves, achava que erraria a letra de tanta emoção. Mas o Lúcio, que naquela época já era ‘O’ Lúcio Alves, foi tão bacana, tão humilde. Disse que se sentia honrado em cantar comigo”, suspira. O programa, assim como a canção “Mudando de Conversa” (de Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho), logo elevaram a dupla à condição de “queridinhos” do nosso cenário nacional.

“Alvorada” (samba, 1968) – Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho
Assim que chegou ao morro de Mangueira, Cartola ficou amigo de Carlos Cachaça. Frequentando as zonas boêmias sempre que podia, foi apresentado aos malandros do local e se tornou um dos fundadores da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, em menção ao fato de ser a primeira estação onde parava o trem que partia da Central do Brasil. Inspirado por lembranças de sua infância, quando assistia às manifestações carnavalescas do “Rancho dos Arrepiados”, tingiu com elegância a combinação entre um “caule verde” e uma “rosa na ponta”, como costumava dizer.

A escola que ajudou a fundar, e o morro que lhe deu inspiração para tal, seriam ambas homenageadas em várias de suas canções, uma delas lançada por Odete Amaral em 1968 e imortalizada em 1972 no canto de brisa de Clara Nunes: “Alvorada” foi composta em uma das madrugadas em que Carlos Cachaça e ele desciam o morro do Pendura a Saia. Os dois se impressionaram com a beleza dos primeiros raios de sol que surgiam no horizonte e iluminavam a paisagem sofrida de seus moradores. Ali começaram a serem coloridas estrofes e melodias que ganhariam pinceladas de Hermínio Bello de Carvalho, e representavam a admiração dos autores pelo morro carioca.

“Pressentimento” (samba, 1968) – Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho
O primeiro disco solo só viria para Elton Medeiros em 1973, após passar pelos estúdios com o conjunto A Voz do Morro, que registrou três álbuns. Sozinho, Elton dava voz a “Pressentimento”, um dos sambas mais bonitos de sua lavra, com letra de Hermínio: “Ai, ardido peito/ Quem irá entender o seu segredo?/ Quem irá pousar em teu destino?/ E depois morrer do seu amor…”. A música seria regravada por Marília Medalha, Elizeth Cardoso, Elza Soares, Alaíde Costa, Roberto Silva, MPB-4, Quarteto em Cy, dentre outros.

“Sei Lá Mangueira” (samba, 1968) – Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho
Até hoje há fanáticos que não perdoam o fato de Paulinho da Viola, portelense de coração, ter criado a melodia para uma das canções mais emblemáticas em saudação à Mangueira, muito embora ele tenha feito, em seguida, “Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida” para a Portela. Hermínio Bello de Carvalho escreveu a letra de “Sei Lá Mangueira” logo após a sua primeira visita ao morro, inebriado com o que havia visto na companhia de Cartola e Carlos Cachaça. Lançada por Elizeth Cardoso em 1968, a música foi inscrita no IV Festival de Música Brasileira da Record, quando foi defendida por Elza Soares.

“Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço” (samba, 1981) – Dona Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho
Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a ter um samba-enredo cantado na avenida no Brasil. Como se não bastasse, mulher negra, pobre, imersa em reduto machista e de preconceitos. Mas Dona Ivone Lara venceu todos eles, com voz mansa e andar macio, embora se impondo pela graça de suas músicas e o talento que comprovou na raça. Foi ao lado de Silas de Oliveira que Dona Ivone Lara tornou-se a primeira mulher a derrubar barreiras e preconceitos e invadir esse ambiente marcadamente masculino, com a coautoria de “Os Cinco Bailes Tradicionais da História do Rio”. Outra composição marcante para a história do samba é “Mas Quem Disse Que Eu Te Esqueço”, parceria com Hermínio Bello de Carvalho, lançada no ano de 1981.

“Timoneiro” (samba, 1996) – Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho
Paulinho da Viola encomendou uma letra para Ferreira Gullar, que o presenteou com “Solução de Vida”, cujo expressivo subtítulo é “Molejo Dialético”. A música foi lançada por Paulinho, autor da melodia, em 1996, no álbum “BEBADOSAMBA”. Posteriormente, recebeu uma versão ao vivo em “BEBADACHAMA”, de 1997. Na capa do álbum, os traços inconfundíveis de um poeta da arte visual: Elifas Andreato, que acabou premiado por mais esse desenho histórico, assim como Paulinho pelo álbum. Mas o maior sucesso do disco foi “Timoneiro”, parceria com Hermínio Bello de Carvalho. Virou clássico!

“Chão de Esmeraldas” (samba, 1997) – Chico Buarque e Hermínio Bello de Carvalho
Tido e havido como indiscutível poeta da música popular brasileira, Chico Buarque nunca escondeu duas de suas maiores paixões, uma no futebol e outra na avenida. Torcedor do Fluminense e da Mangueira, o compositor foi tema da escola em 1998, com um desfile que valeu à agremiação o título de campeã. Antes, em 1987, Chico havia transformado esse amor em música, através de “Estação Derradeira”, lançada no álbum “Francisco”. Diferentemente de outras canções feitas em homenagem, Chico expõe as mazelas da região, sem deixar de observar as belezas que já o encantavam desde a sua infância. Outra homenagem veio com “Chão de Esmeraldas”, de 1997, parceria com o poeta Hermínio Bello de Carvalho, que ganhou a voz da mangueirense Alcione.

Matéria publicada originalmente no portal da Rádio Itatiaia, em 2022.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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