De Martinho da Vila a Jorge Ben: músicas para o Dia Nacional do Café

*por Raphael Vidigal Aroeira

“Antes que a tarde amanheça
e a noite vire dia
põe poesia no café
e café na poesia” Paulo Leminski

Desde 2005, o Brasil comemora, no dia 24 de maio, o Dia Nacional do Café, data alusiva ao início das grandes plantações que transformaram a economia brasileira a partir do século XIX. Rapidamente, Minas Gerais se tornou o maior produtor de café do país. Com essa importância toda, claro que o produto foi cantado também pelos nossos compositores populares, passando pela marchinha, o samba, o rock e a MPB, com contribuições de Braguinha, Wilson Batista, Martinho da Vila, Jorge Ben Jor, Vinicius de Moraes e muitos outros.

“Yes, Nós Temos Bananas!” (marchinha, 1938) – Braguinha e Alberto Ribeiro
João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, reafirmam seu orgulho do Brasil ao cantarem os versos da música: “Yes, Nós Temos Bananas!”. A marchinha feita pelos dois, em 1938, foi um dos grandes sucessos do Carnaval daquele ano e trazia uma crítica bem humorada aos norte-americanos que insistiam em chamar os países da América Latina de “república das bananas”. Exaltando as qualidades da fruta que se tornou brasileira e ainda brincando com as exportações de café, algodão e chá mate, Braguinha e Alberto Ribeiro encerram a canção com os divertidos versos: “bananas para quem quiser!”, diz.

“Emília” (samba, 1942) – Wilson Batista e Haroldo Lobo
No afamado Café Nice, Wilson Batista conheceu Erasmo Silva, com quem arquitetou conjunto com as presenças de Lauro Paiva ao piano e Roberto Moreno na percussão. Com a desfeita, permaneceram somente os dois primeiros, que passaram a se intitular Dupla Verde e Amarelo, participando, inclusive, de espetáculos na Argentina, Porto Alegre e apresentações em São Paulo. Tempos depois, Wilson Batista escreveu com Haroldo Lobo música que versava sobre uma união desejosa de soberania. Um oportuno “café preparado” simbolizava a perfeição exaltada. Lançada por Vassourinha em 1942, foi regravada por Roberto Silva, com sucesso semelhante. E, caso encontrasse “Emília”, Wilson Batista, certamente, cairia aos seus pés de amor.

“Café Soçaite” (samba, 1955) – Miguel Gustavo
Ao chegar a um restaurante no Rio de Janeiro para jantar com Ibrahim Sued (1924-1995), Paulo Cesar de Oliveira, jornalista e empresário, foi surpreendido por um gesto do colega de profissão, cuja fama o levou a ser cantado em música por Jorge Veiga (1910-1979) que, em 1955, lançou “Café Soçaite” (dos versos: “Já fui até citado na coluna do Ibrahim”), composta por Miguel Gustavo. “Cheguei sozinho, e o Ibrahim estava acompanhado da esposa, Simone. Então, sobrou uma quarta cadeira, que ele mandou o garçom retirar”, relembra. Sem entender, Oliveira questionou Ibrahim. “Aí, ele me respondeu que era pra não sentar nenhum chato ali perto da gente”, diverte-se o jornalista e empresário. A música, lançada por Jorge Veiga, eternizou a figura do colunista.

“Para Fazer Um Bom Café” (samba, 1965) – Vinicius de Moraes e Baden Powell
Em 1965, Vinicius de Moraes e Baden Powell, dupla que fomentou os indispensáveis afro-sambas, se juntaram para compor em homenagem a Ciro Monteiro, um dos grandes cantores de samba do país, com divisão rítmica e dicção únicas. O resultado foi o álbum “De Vinicius e Baden Especialmente para Ciro Monteiro”. No repertório, estava o samba “Para Fazer Um Bom Café”, que, como explicita o título, explica a preparar o café, em ritmo de receita. Em 2010, a música recebeu uma regravação do grupo Sushi Na Brasa. É deliciosa!

“A Luta Contra a Lata ou a Falência do Café” (tropicalista, 1968) – Gilberto Gil
Segundo álbum de estúdio de Gilberto Gil, lançado no histórico ano de 1968, ele foi escolhido pela revista Rolling Stone Brasil um dos 100 melhores da música brasileira de todos os tempos, no ano de 2007. Gravado com a participação de Os Mutantes, o trabalho apresenta a faixa “Domingo no Parque” e parcerias de Gil com o poeta Torquato Neto. Encerrando os trabalhos, está a tropicalista “A Luta Contra a Lata ou a Falência do Café”, que reverte eventuais expectativas de um samba-enredo, mas mantém sua história.

“Namorinho de Portão” (tropicalista, 1968) – Tom Zé
Lançada por Tom Zé em “Grande Liquidação”, primeiro álbum do autor, a composição se vale de uma abertura incidental da música de domínio público “Cai, Cai, Balão”, para, em seguida, incluir outros elementos caros à Tropicália, como a mistura sonora e a fluidez discursiva. “Namorinho de portão/ Biscoito, café/ Meu priminho, meu irmão/ Conheço essa onda/ Vou saltar da canoa”. A música foi regravada com grande sucesso por Gal Costa, no conceituado álbum que trazia, ainda, “Não Identificado” e “Baby”. A versão de Tom Zé data de 1968, o mesmo ano em que veio ao mundo o fundamental álbum “Panis Et Circenses”, que definiu as diretrizes da Tropicália de Caetano, Gil, Gal, Os Mutantes e outros.

“Cafezinho” (samba, 1970) – João Roberto Kelly e Augusto Melo Pinto
“Quando canto e o público me aplaude, eu fico nas nuvens, eufórica. Minha vida se transforma. Independentemente dos problemas que tenha, ao entrar no palco, eu flutuo. A energia do público faz você cantar”, declara Dóris Monteiro, sem esconder a emoção. Natural do Rio de Janeiro, onde ainda mora, Adelina Dóris Monteiro logo adotou os sobrenomes como alcunha artística. Aos 6, 7 anos de idade, ela dizia que “queria ser ‘canteira’”. “Cantava brincando”, conta. Essa brincadeira a levou a se tornar uma das mais reconhecidas cantoras da música brasileira, com um estilo que pavimentou o caminho para a bossa nova, prezando pela suavidade na interpretação. Em 1970, já consagrada, Dóris lançou o samba “Cafezinho”, de João Roberto Kelly e Augusto Melo Pinto, uma pecinha simpática, que diz: “Zé, me serve um cafezinho que seja pingado/ Pouco açúcar, louça fria, estou ali sentado…”. Ciro Monteiro regravou a canção.

“Cotidiano” (samba, 1971) – Chico Buarque
Se a história da música popular brasileira possui uma linhagem, nela não pode faltar o nome de Chico Buarque de Hollanda. Filho do historiador Sérgio Buarque – e irmão das também cantoras Miúcha, Cristina Buarque e Ana de Hollanda – o garoto prodígio da canção nacional, como era de se esperar, começou cedo. Enfileirou sucessos desde o princípio da carreira, nos anos 1960, auge da bossa nova, passando por vários ritmos, gêneros e inclusive movimentos musicais, alinhavando parcerias com nomes como o poeta Vinicius de Moraes, o maestro Tom Jobim, o dramaturgo Ruy Guerra e o tropicalista Gilberto Gil, além de outros compositores de peso, tais como Milton Nascimento, Francis Hime e Edu Lobo. Em 1971, Chico lançou um de seus melhores sambas, “Cotidiano”, que destaca o relacionamento de um casal em meio aos afazeres domésticos: “Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar/ E essas coisas que diz toda mulher/ Diz que está me esperando pro jantar/ E me beija com a boca de café”. Sucesso atemporal.

“Café com Pão” (MPB, 1981) – João Donato e Lysias Ênio
Dinahir Tostes Caymmi, mais conhecida como Nana Caymmi, nasceu no berço esplêndido da música popular brasileira, no dia 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro. Filha do baiano Dorival Caymmi e irmã dos cariocas Dori e Danilo Caymmi, ela iniciou a carreira artística em 1960, ao gravar com o pai a canção “Acalanto”. Em 1963, lançou o seu primeiro disco-solo. Ao longo de uma bem-sucedida carreira, Nana Caymmi se tornou uma das mais requisitadas cantoras da música brasileira, gravando canções para trilhas de minisséries e novelas da Rede Globo. Em 1981, Nana lançou “Café com Pão”, de João Donato com seu irmão Lysias Ênio.

“Café” (samba-rock, 1995) – Jorge Ben Jor
Jorge Duílio Lima Meneses, o popular Jorge Ben Jor, nasceu no dia 22 de março de 1939, no Rio de Janeiro, e provocou uma verdadeira revolução na música brasileira ao surgir, em 1963, com o disco “Samba Esquema Novo”, que apresentava a todo o país a sua maneira particular de cantar e tocar ao violão. O estilo único de Jorge Ben Jor rendeu ao Brasil músicas de sucesso como “País Tropical”, “Que Maravilha”, “Mas Que Nada”, “O Telefone Tocou Novamente”, “Charles Anjo 45”, entre tantas outras. E ele também realizou duetos de sucesso com Caetano Veloso, Tim Maia, Gilberto Gil, Ivete Sangalo. Em 1995, Jorge Ben Jor lançou o samba-rock “Café”, de sua autoria.

“Café com Leite” (samba, 1996) – Martinho da Vila
Martinho José Ferreira, o popular Martinho da Vila, ficou assim conhecido porque foi criado em Vila Isabel, bairro do Rio que também abrigou Noel Rosa. Martinho nasceu no dia 12 de fevereiro de 1938, em Duas Barras, município do Rio de Janeiro. Mudou-se para a capital com apenas quatro anos, e logo se enturmou com a galera do samba. Em 1967, se apresentou no Festival da TV Record. Dois anos depois, em 1969, gravou o primeiro disco e logo de cara emplacou um grande sucesso: “O Pequeno Burguês”, um samba sempre atual. “Café com Leite”, samba de sua autoria com contornos românticos, foi lançado em 1996.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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