*por Raphael Vidigal
“Um homem são é aquele que tem a tragédia em seu coração e a comédia em sua cabeça.” G. K. Chesterton
Lumena está diante do Big Fone há horas quando o aparelho toca. Como boa sentinela que não dorme em serviço, ela emenda uma série de “alôs” a seu interlocutor, que é ninguém mais e ninguém menos do que Rafael Portugal. Para desespero da participante e delírio da plateia: trata-se de uma piada. O trote do humorista deu o que falar. Rendeu risadas do público e provocou dúvidas nos confinados, até hoje sem compreenderem o mistério, já que Lumena acabou eliminada na mesma semana, com 61% dos votos. Desde 2020, Rafael Portugal passou a estrelar o quadro CAT BBB na atração global, em que interage com os espectadores e tira uma onda com os fatos mais relevantes acontecidos na casa.
O sucesso foi imediato, e garantiu indicações para três prêmios na categoria humor, incluindo o da Associação Paulista de Críticos de Arte, com resultado pendente por conta da pandemia. Em 2021, Portugal retornou ao posto onde alia comédia com música, outro de seus talentos. Ele é autor de “João de Barro”, lançada pelo parceiro Leandro Léo no DVD de Maria Gadú, em 2010, e regravada por Jorge & Mateus e Ferrugem. “É uma delícia trabalhar onde se ama trabalhar”, agradece Portugal. No CAT BBB, ele tem a ajuda de “três roteiristas geniais”, Saulo, Belo e Meire, e do diretor Pedro Carvana. “Meu trabalho é em equipe total. A gente se diverte antes pra poder fazer o que vai entrar”, garante.
Torcida. Questionado sobre para quem está torcendo na atual edição do Big Brother Brasil, o ator revela outra de suas características: a diplomacia. “Eu torço por todos, quando eles saem é mais um pedacinho de história que perdemos. Faz parte, né?”, contemporiza. Mas Portugal já confidenciou que a mãe não tem a mesma tendência a ficar em cima do muro, e pede, com frequência, para que ele elimine os participantes que não a agradam. A progenitora, aliás, roubou a cena em “Filhinho da Mamãe”, com suas respostas autênticas e secas. O quadro faz parte de “A Culpa É do Cabral”, programa de que Portugal participa desde 2016, ao lado de Nando Viana, Rodrigo Marques, Thiago Ventura e Fabiano Cambota, transmitido pelo Comedy Central, dedicado exclusivamente ao humor.
“Ali, sou eu falando do dia a dia. Mas não que, necessariamente, eu seja assim no dia a dia”, distingue. A atração já recebeu convidados como Caio Castro, Tirullipa e Fábio Porchat, companheiro de Portugal no “Porta dos Fundos”. Ele chamou a atenção da trupe em 2015, no canal “Parafernalha”, de Felipe Neto. Depois de ser finalista do Prêmio Multishow de Humor, no mesmo ano, passou a integrar o elenco formado por Gregório Duvivier, Antonio Tabet, João Vicente de Castro, Thati Lopes e Evelyn Castro. Os vídeos “Porrada”, “Indignado”, “Português Fluente” e “Colonizado”, onde aparece vestido de índio, estão entre os mais visualizados do canal com a presença de Portugal. “Posso dizer que, no ‘Porta’, os personagens têm muitas coisas minhas que eu deixo com eles, repito e, depois, viram marcas. Os dois trabalhos têm muita coisa de mim mesmo”, diz.
Censura. Em dezembro de 2019, a sede do “Porta dos Fundos”, no Rio, sofreu um atentado a bomba. Os responsáveis foram identificados e, um deles, fugiu para a Rússia. As críticas às esquetes da turma passaram a ser vocalizadas por figuras como o controvertido pastor Silas Malafaia, especialmente direcionadas aos especiais de Natal que se tornaram uma tradição de fim de ano, em que Jesus aparecia como homossexual e a virgindade de Maria era posta em xeque. Um deles acabou lançado pela Netflix, intitulado “A Primeira Tentação de Cristo”. No ano passado, o grupo colocou nas redes “Teocracia em Vertigem”, inspirado em “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, indicado ao Oscar. As celeumas em torno do humor não se restringem ao “Porta”. Nomes como Rafinha Bastos e Carioca foram “cancelados”, e Danilo Gentili chegou a ter a prisão sentenciada.
“Pra mim, humor tem limite, sim. Mas respeito muita piada que, particularmente, eu não faria. Nunca fui censurado, mas já tentaram. Algumas piadas dos meus shows lá no início, por exemplo, uma eu resolvi tirar. Era uma besteira, mas encontrei uma pessoa que me explicou o ponto de vista dela, eu entendi e tirei do show”, argumenta ele. Em “A Culpa É do Cabral”, duas máximas guiam os comediantes: “O Brasil é o país da piada pronta” e “O melhor do Brasil é o brasileiro”. “Cara, a piada hoje é, na verdade, a alegria da volta por cima, são momentos de ajuda”, acredita. “O melhor do brasileiro é a solidariedade. Acho que o momento é de se ajudar e fazer toda essa dor passar, para que a gente volte a sorrir de alívio”, diz ele que, em sua conta no Twitter, faz campanhas a favor do isolamento social, do uso de máscaras e de vacinas contra a Covid-19.
Projetos. Atualmente, Portugal está em cartaz no Teatro Casa Grande, no Rio, com o solo “Eu Comigo Mesmo”, e tem trabalhado “com a casa super reduzida e todo o processo para que as pessoas sejam recebidas com segurança”. “Foi algo que trouxe esperança para os técnicos e toda uma turma que vive do teatro”. No horizonte, ele estreia, em breve, um filme com Cacau Protásio, sucesso em “Vai Que Cola”, e começa a gravar uma série. Esse percurso remonta a quando ele tinha 15 anos e ingressou na “Cia. de Atos e Atores”. A mãe, dona Marion, o incentivou. Depois de um dia de exaustivo trabalho no Centro do Rio, Portugal confidenciou que estava infeliz. Antes, porém, ele já havia trabalhado como auxiliar administrativo, em supermercados, vendendo salgados e caldo de cana e entregando panfletos na praça do bairro onde nasceu, tudo pra ajudar a família.
“Todas essas atividades me ajudaram a conhecer ainda mais o humor popular do dia a dia que eu amo fazer. Do absurdo real, nonsense. A vida é regada de humor. Ainda que com muita luta, a gente consegue tirar dali, muitas vezes, um motivo pra sorrir depois”, observa. “Eu fui sendo levado pelo humor, eu nasci assim. Meu pai era muito engraçado e minha mãe é uma figura natural. Eu sou de Realengo, minha família e meus amigos são mais engraçados que eu. Sou fruto de toda inspiração ao redor”. Na lista dos maiores ídolos, no entanto, ele escala o mexicano Roberto Bolaños, criador do seriado “Chaves”, e Chico Anysio. “Muito Chico, amo toda a obra”. Na sequência, ele elenca Tom Cavalcanti, “Hermes & Renato”, “Casseta & Planeta”, “Vida ao Vivo Show” – protagonizado por Pedro Cardoso e Luiz Fernando Guimarães –, e “Os Normais”.
Felicidade. “Nossa, o Brasil é incrível!”, constata. “Sou muito feliz fazendo humor”. A virada de sentimento em relação à trajetória profissional de Portugal teve papel decisivo da Lona Cultural Gilberto Gil, hoje conhecida como Areninha Carioca Gilberto Gil, do professor Eduardo Monteiro e do produtor Mauro Lima, a quem ele demonstra gratidão. “São partes importantes da minha vida como ator”. Que, pelo visto, está só começando, e já conta com oito filmes no currículo e séries como “Homens?”, da Amazon Prime, em que vive uma personagem inusitada: o pênis, que Pedro Cardoso interpretou na peça de Domingos Oliveira.
Foto: Globo/Divulgação.