*por Raphael Vidigal
“Ela ficou diante dele numa atitude provocante, com uma sensualidade insolente nos olhos. Ele a olhava e se esforçava para descobrir por trás dessa expressão lasciva os traços familiares que amava com ternura. Era como olhar duas imagens na mesma objetiva, duas imagens superpostas aparecendo transparentes uma sobre a outra. Estas duas imagens superpostas diziam-lhe que sua amiga podia ter tudo dentro de si, que sua alma era terrivelmente amorfa, que a fidelidade podia existir nela tanto como a infidelidade, a traição como a inocência, a sedução como o pudor” Milan Kundera
Envolta em polêmicas por conta de sua participação no Big Brother Brasil 21, em que teria humilhado colegas e ofendido a população nordestina com comentários preconceituosos, a rapper Karol Conká está acostumada a provocar burburinho com a própria obra. Desde que surgiu no cenário da música brasileira, desbravando o gueto historicamente machista e sexista do rap, ela foi apontada como exemplo de empoderamento feminino e de liberalização dos costumes, tanto que chegou a comandar a atração “Superbonita”, no GNT, quebrando os paradigmas de um modelo de beleza baseado no eurocentrismo. Aliado ao discurso, Karol sempre apostou em um visual igualmente comunicativo, exuberante e afrontoso, como se costuma dizer hoje em dia. Selecionamos três músicas polêmicas da artista.
“100% Feminista” (funk, 2016) – MC Carol e Karol Conká
Ícones da nova geração de mulheres empoderadas, representando, cada uma a seu estilo, o reconhecimento em gêneros historicamente fechados a elas no papel de compositoras como o rap e o funk, MC Carol e Karol Conká, negras, faveladas e muito talentosas, uniram forças na música “100% Feminista”, lançado em 2016, cujo título dispensa explicações. A letra traz um pungente relato sobre as violências cotidianas às quais as mulheres são submetidas, em um país que naturaliza crimes como o estupro sob a alegação calhorda de que a vítima provocou a reação masculina: “Presenciei tudo isso dentro da minha família/ Mulher com olho roxo, espancada todo dia”. A música ganhou um vídeo.
“É O Poder” (rap, 2016) – Karol Conká
No augue do sucesso, o rap, enquanto gênero, sofreu com a febre do meme “Nutella x Raiz”. O rap Nutella supostamente priorizaria um discurso calcado nas relações afetivas e na ostentação de bens materiais, em detrimento do histórico engajamento político e da crítica social presentes nas letras de nomes fundamentais como Racionais MC’s, Sabotage, MV Bill, Rappin’ Hood e Black Alien. “É O Poder”, de Karol Conká, pertence a esse segundo time, o chamado rap Raiz, onde a crítica social e o engajamento ditam as regras. “É o poder, aceita porque dói menos/ De longe falam alto, mas de perto tão pequenos/ Se afogam no próprio veneno, tão ingênuos/ Se a carapuça serve, falo mesmo”, diz.
“Lalá” (rap, 2017) – Karol Conká
O clipe de “Lalá”, da rapper curitibana Karol Conká soma, hoje, pouco mais de 9 milhões de visualizações. Colocado nas redes em junho de 2017, ele despertou reações que culminaram em sua censura no YouTube, depois revista. “Isso não me abala, só prova que o prazer da mulher é um tabu, é como se vagina e prazer não combinassem. É importante falarmos sobre o assunto para mantermos as pessoas informadas e evitar decepções. Imagine que leve seria o mundo se todos gozassem de verdade”, declarou Karol. Para compor a música, ela afirma ter se inspirado em vivências pessoais e histórias de amigas que tiveram más experiências ao receber sexo oral. Enquanto entoa os versos “moleque mimado bolado que agora chora/ só porque eu mandei ajoelhar/ fazer um lalá por várias horas…”, homens ajoelhados têm as respectivas cabeças levadas para a frente.
Foto: Carlos Sales/Divulgação.