Sucesso de bilheteria, jogos que viram filme geram controvérsia entre fãs

*por Priscila Tavares (Game Design e roteirista)

“traduzir não é cingir-se à pura troca de palavras; é necessário manter o movimento interior, o ritmo e a música do original, sem o quê seria substituir um corpo vivo por uma imagem de cera” Rainer Maria Rilke

Ei! Vamos começar com uma pergunta. Por que parece ser tão difícil adaptar um game para o cinema? Você já se fez esta pergunta? Acredito que muitos gamers, otakus e fãs de HQ’s já fizeram pergunta semelhante. Não! Não tenho a resposta definitiva para esta questão. Porém, tenho alguns apontamentos.

Bem, de fato, toda adaptação entre mídias é passível à perda de qualidade, se comparado ao material original. Alguns pontos que ocasionam esta queda de qualidade: a falta de carinho pela história, a voracidade por lucros, talvez, e, por que não, a incapacidade de comunicação entre os envolvidos no desenvolvimento da adaptação.

Para os gamers no geral exigentes, um filme não instiga as mesmas sensações que a interatividade de um jogo eletrônico desperta. E mesmo os jogos que são definidos mais pelas suas narrativas contam com algum nível de interatividade.

No jogo, controlamos “diretamente” as ações do protagonista(s), oferecendo uma experiência que nenhum outro meio proporciona. Ao retirar esse poder, a conexão indivíduo x história x personagem, se perde. É difícil traduzir uma experiência interativa em uma narrativa direta.

Exemplos. É possível fazer um filme bom baseado em um videogame? Sim, mas nunca haverá uma maneira de realmente adaptar a experiência de jogar aquele jogo para um filme, e é aí que todas as adaptações de videogame estão sujeitas a duras críticas.

Elencar boas adaptações de jogos não é uma tarefa fácil, portanto, aqui, listo algumas obras relevantes, que contribuíram, positivamente ou não, para este nicho cinematográfico.

“Super Mario Bros”, 1993. O personagem mais icônico da Nintendo. O filme nada mais é que uma sucessão quase interminável de erros. O perfeito exemplo da dificuldade em se adaptar uma história, quando se conhece muito pouco ou quase nada sobre ela. Os responsáveis pela produção do filme não conheciam a essência da história do game, os atores envolvidos tampouco. Super Mario Bros é tudo que uma adaptação não deve ser.

A Ilumination, estúdio que desenvolveu animações como “Meu Malvado Favorito” e “Minions”, está produzindo uma nova adaptação de Mario para os cinemas. O estúdio trabalha próximo à Nintendo, dona da franquia, e de Shigeru Miyamoto, criador do jogo. O filme está previsto para 2022.

“Street Fighter”, 1994. Na época, o jogo estava em alta, e fazer uma adaptação? Sim, parecia uma decisão acertada. A Capcom, responsável por grande parte do orçamento, exercia o maior controle criativo sobre filme, conflitando com as ideias do roteiro original. Aproveitando o hype do jogo, escalaram para o elenco os atores mais valiosos da época, Jean Claude Van Daime e Raul Julia, porém, ambos viviam graves problemas pessoais (Julia faleceu meses antes da estreia do filme).

Adicione a instabilidade física e emocional de seus dois principais atores à falta de conhecimento/treinamento do restante do elenco, em sua maioria novatos. O despreparo da produção e equipe técnica, os atrasos dos cronogramas e a falta de dinheiro. Enfim, era de se esperar a baixa qualidade do resultado final. Apesar das críticas negativas, o longa obteve sucesso de bilheteria e, pasmem, acabou alavancando as carreiras de Van Daime, Kylie Minogue e imortalizando Raul Julia.

“Mortal Kombat”, 1995. Está longe de ser o melhor filme adaptado de um game, mas ele se esforça. O longa respeita a essência do jogo, o roteiro é simples, os diálogos burlescos. O figurino e os atores complementam o bom resultado final. Ok, sem exageros, mas para a época foi acima da média.

Hoje, “MK” é um dos jogos com a história mais complexa dentre jogos do gênero, mas, na época, o foco do game eram as lutas e a diversão. O filme segue a mesma linha. Assumindo um tom caricato e divertido. A trilha sonora fez um grande sucesso.

“Lara Croft: Tomb Raider”, 2001. Diferente dos filmes citados anteriormente, em “Tomb Raider” ouve uma tentativa, mesmo que frustrada, de apresentar uma personagem com mais dimensões. Desde sua estreia nos consoles, em 1996, “Tomb Raider” sofre com o estigma de ser a versão feminina de “Indiana Jones”. Enfim, a adaptação do jogo não ajudou muito.

Mas, mesmo sem trazer novidades para o gênero, “Lara Croft: Tomb Raider” tornou-se a maior bilheteria de um filme protagonizado por uma mulher, e a mais rentável adaptação cinematográfica de um jogo. A atriz Angelina Jolie certamente foi a grande responsável pelo sucesso do filme.

Ah, já que toquei no assunto, listarei as adaptações mais lucrativas até o momento, caso alguém tenha curiosidade, lembrando que o sucesso nas bilheterias não traduz a qualidade da adaptação.

“Prince of Persia: The Sands of Time”, 2010.
“Warcraft”, 2016.
“The Angry Birds”, 2016.
“Resident Evil: The Final Chapter”, 2017.
“Rampage”, 2018.
“Pokémon: Detetive Pikachu”, 2019.

“Sonic The Hedgehog”, 2020. E finalmente chegamos a 2020. “Sonic” tornou-se uma das adaptações mais bem sucedidas de todos os tempos. Uau! É um ótimo filme então? Não, na verdade longe de disso. Mas, ainda assim, é um exemplo a ser seguido por todos aqueles que futuramente pretendem adaptar um jogo eletrônico para o cinema.

Calma! Nem tudo foram flores. Quando a dona Paramount, se achando a rainha da cocada, lançou o primeiro trailer do, até então, aguardadíssimo “Sonic”, a reação do público (principalmente os fãs), foi estrondosa.

A comoção foi tão grande que a Paramount adiou o lançamento do filme para o ano seguinte, a fim de corrigir a aparência do horrivelmente humanizado ouriço azul. Meses depois, o design final do Sonic parecia muito melhor, lembrando seu visual icônico dos videogames.

O novo Sonic ficou tão adorável que quase compensou o enredo fraco. A história é simples, divertida. Vale ressaltar a ótima atuação de Jim Carrey, que deu vida ao Dr. Robotnik, o clássico vilão da franquia “Sonic”.

Aprendizado. Ok, mas espera aí. Qual foi o grande exemplo aprendido com a Paramount e “Sonic”? Bem, se a intenção de se adaptar games é justamente atrair o público gamer para o cinema, então por que não “dar a César o que é de César?”.

O filme não precisa, e não deve ser a cópia exata do jogo adaptado, é importante a obra ter a sua própria identidade, dentro da proposta da mídia utilizada. Adaptar um game não é uma tarefa demasiadamente árdua (na teoria). Estudar, conhecer a essência da história do jogo e dos personagens, respeitar o material original. Este é o princípio básico para uma boa adaptação. É tão difícil assim? Talvez seja.

Adaptações cinematográficas de games vieram para ficar, fato. Apesar dos muitos fracassos, os longas são rentáveis, e isto e inegável. Sim, nós gamers somos um público fiel, apaixonado (sem vergonha mesmo), sabemos que teremos nossos corações partidos, e, mesmo assim, lotamos as salas dos cinemas.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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