“Eu ficarei em ti, mísera, inútil, mas rebelde,
última estrela só, do campo infiel aos céus escassos.” Cecília Meireles
Há pelo menos dez anos, desde “Pelo Sabor do Gesto” (2009), Zélia Duncan, 54, não lançava um disco com a sua “cara”. Nesse tempo, a carioca homenageou dois vanguardistas paulistas: Itamar Assumpção (1949-2003), em “Tudo Esclarecido” (2012); e Luiz Tatit, com “Totatiando” (2013); e também prestou tributo à obra não menos singular de Milton Nascimento, na parceria com o violoncelista Jaques Morelenbaum, que resultou no álbum “Invento +” (2017). Para completar, colocou na praça uma coleção de sambas, com “Antes do Mundo Acabar” (2015), a exemplo do que Adriana Calcanhotto havia feito em 2011.
Agora, Zélia está de volta às origens. Por mais que tenha procurado e alcançado a diversidade que pautou discos como “Eu Me Transformo em Outras” (2004) e “Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band” (2005), é inegável que a identidade da artista se formou nos primeiros anos da carreira, iniciada na década de 90 e que, para além da mistura bem fomentada entre folk e pop, tinha na construção poética o seu grande trunfo. É isso o que a cantora recupera em “Tudo É Um”.
O seu novo álbum apresenta parcerias com Chico César, Zeca Baleiro, Paulinho Moska. O que “Tudo É Um” tem a dizer de mais forte para os dias atuais e que papel esse trabalho ocupa na sua trajetória?
Sou a mesma Zélia, que procura motivos para subir no palco, motivos honestos comigo e com o público. A procura é a minha vida. Esse é um disco que vem sendo muito bem recebido e que traz um apaziguamento, em tempos de guerra, um contraponto, mas não sem trazer reflexões. Num momento tão cheio de ódio, tudo que for amor e coletivo, me interessa ainda mais.
Como analisa o momento político do país e a relação do governo federal com a cultura?
Sofremos um golpe e desde então o abismo não tem fundo. O Brasil sempre teve muitos problemas e Dilma deixou muito a desejar, especialmente no segundo mandato, mas foi legitimamente eleita e bandidos a tiraram do poder. Isso foi péssimo para o Brasil, para nossas instituições e principalmente nossa democracia. Lula preso dessa maneira era, na verdade, o grande objetivo, e hoje está claro que ele é um preso político. Estamos num momento obscuro e vingativo. A decisão de desconsiderar a cultura e a educação faz desse governo um inimigo do pensamento e da liberdade, e isso nos afeta como artistas e cidadãos. Apesar disso, estamos todos na boa luta, criando e nos encontrando com o público.
Raphael Vidigal
Fotos: Flávio Chaves/Divulgação