“Ouvi-te e ouvi-a/ No mesmo tempo
E diferentes/ Juntas cantar.
E a melodia/ Que não havia.
Se agora a lembro,/ Faz-me chorar…” Fernando Pessoa
Representante da Era de Ouro do rádio, que consagrou os cantores de “dó de peito”, aqueles que cantavam até sem microfone, Nelson Gonçalves lançou, em 1962, “Seresta Moderna”, música de Adelino Moreira que dava um recado direto para João Gilberto, papa da bossa nova: “Um gaiato cantando sem voz/ Um samba sem graça/ Desafinado que só vendo”. Em 1966, foi a vez de Adoniran Barbosa se lamentar diante do sucesso da jovem guarda, com “Já Fui uma Brasa”: “Mas lembro que o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro/ Tocava ‘Saudosa Maloca’”, cantava o autor da clássica “Trem das Onze”.
Um ano depois, em 1967, a Passeata contra a Guitarra Elétrica precedeu o álbum “Tropicália ou Panis et Circencis”, que concretizava musicalmente as bases do movimento capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. E, quando a Blitz invadiu as paradas de sucesso no ano de 1982, o discurso combativo e politizado da MPB começou a ser substituído por histórias cotidianas, de amores e dores, que se voltavam para os próprios umbigos daquela juventude imersa nos acordes do rock.
Todas essas espécies de rupturas entre gerações que marcaram a canção popular brasileira ou, nas palavras de Caetano, sua “linha evolutiva” parecem ter cedido espaço, nos últimos anos, para uma relação diferente, que se assenta mais na reverência do que na contestação. Além de não haver uma quebra clara, até pela ausência de um gênero ou segmento dominante, com a dispersão própria de tempos cada vez mais velozes, descartáveis e globalizados, não são raros os jovens que homenageiam seus ídolos.
Em 2015, o cantor Silva iniciou bem-sucedida turnê com o repertório de Marisa Monte. O carioca Qinho fez a mesma aposta com “Fullgás” (2018), calcado na obra de Marina Lima. No disco de estreia, “Galanga Livre” (2017), o rapper Rincon Sapiência convidou o veterano Sidney Magal. E mesmo aqueles com mais chão percorrido têm adotado a prática. Para 2019, Nando Reis prometeu um disco só com músicas de Roberto Carlos.
A fim de comemorar o centenário de nascimento de Jacob do Bandolim, Hamilton de Holanda produziu um box com seis discos dedicados inteiramente à obra do mestre. Na entrevista abaixo, Hamilton comenta essas questões relativas ao confronto e reverência entre gerações, e ainda conta um pouco sobre a sua própria trajetória, além de revelar quais serão os próximos passos da carreira.
Idolatria e Jacob do Bandolim
Bossa Nova e samba-canção
Confronto entre gerações
Choro e tradição
Homenagem a Djavan
Raphael Vidigal
Fotos: Vivien Drumond/Divulgação