10 músicas brasileiras sobre palhaços

“O PALHAÇO

Gostava só de lixeiros crianças e árvores
Arrastava na rua por uma corda uma estrela suja.
Vinha pingando oceano!
Todo estragado de azul.” Manoel de Barros

A origem da palavra palhaço vem de seu radical “palha”. Isso porque, na Itália, era dela que se constituía a roupa do palhaço. Em inglês, o termo é associado a camponeses e a seu meio rústico. De uma forma ou de outra o palhaço é ligado à simplicidade, e o sentimento que desperta não poderia ser menos complexo: alegria. Daí por que a infância seja a morada do palhaço. No Brasil, além de palhaços célebres como Carequinha, Arrelia e Benjamin de Oliveira (o primeiro palhaço negro do país, natural de Pará de Minas), a figura mais carismática do circo foi cantada em verso e prosa por Lamartine Babo, Carlos Galhardo, Dalva de Oliveira, As Frenéticas, Chico Buarque e muitos outros, passando por ritmos como a marchinha e o samba, sempre cheios de graça…!

“Rasguei a Minha Fantasia” (1935) – Lamartine Babo
Não é preciso tocar um instrumento para ser um grande músico. Que o diga o carioquíssimo Lamartine Babo, de quem, sobre sua relação com a festa mais popular do país, Braguinha disse: “existe o carnaval antes e depois de Lamartine”. Já em 1934, Lamartine comprovava a tese ao compor a marchinha “Rasguei a Minha Fantasia”, com o palhaço como personagem principal. A música foi lançada por Mário Reis um ano depois, em 1935, acompanhado pelos Diabos do Céu, e regravada com enorme sucesso pelas Frenéticas em 1980, no LP “Babando Lamartine”, o último com a formação original do grupo.

“O Palhaço, o Que É?” (1936) – Bide e Paulo Barbosa
Embora tenha ficado conhecido pelo epíteto de Rei da Valsa, Carlos Galhardo foi também um habilidoso intérprete e marchinhas, o que justificava o outro apelido, “O Cantor Que Dispensa Adjetivos”. Em 1936, foi ele o responsável por lançar uma das mais populares marchinhas de todos os tempos. Composta por Bide e Paulo Barbosa, a música “O Palhaço, o Que É?” trazia os versos que atualmente se confundem com o domínio público: “Hoje tem marmelada?/ Tem, sim senhor!/ Hoje tem goiabada?/ Tem, sim senhor!/ O palhaço, o que é?/ É ladrão de mulher!”. A canção foi um sucesso instantâneo daquele carnaval.

“Palhaço” (1951) – Nelson Cavaquinho, Washington Fernandes e Osvaldo Martins
No ano de 1951, a cantora Dalva de Oliveira, no auge de sua carreira, gravou a composição “Palhaço” de um ainda desconhecido Nelson Cavaquinho, que trazia na parceria os nomes de Oswaldo Martins e Washington Fernandes. Àquela altura, o compositor já havia sido gravado por Ciro Monteiro, Alcides Gerardi e Roberto Silva. Mas foi a gravação de Dalva que rendeu a ele seu maior sucesso até então. Na música, ele repetia o personagem que apareceria com frequência em suas canções: o homem que teme a morte, o infeliz que se agarra ao sofrimento, e o palhaço que abandona o palco para poder chorar.

“Alma de Palhaço” (1958) – Carequinha e Fred Vilar
Além de apresentar programas infantis na TV Tupi, Rio e Manchete, e de ter participado da “Escolinha do Professor Raimundo” na Rede Globo, Carequinha ainda foi capaz de conciliar a canção às suas atividades circenses. Como intérprete e compositor inspirado, ele foi de marchinhas debochadas e histriônicas a reflexões seresteiras sobre a “Alma de Palhaço”, que trazia os sensíveis versos: “De um circo eu sou palhaço/ No rosto levo este traço/ para alegrar a multidão/ Mas é tudo fantasia/ É falsa a minha alegria/ É tudo, tudo, ilusão”. A parceria com Fred Vilar foi lançada por Carequinha no ano de 1958.

“Palhaçada” (1961) – Haroldo Barbosa e Luiz Reis
Famoso pelas divisões rítmicas que influenciaram nomes como Zeca Pagodinho e Roberto Ribeiro, o carioca Miltinho é, sem dúvida, o grande intérprete de “Palhaçada”, samba da consagrada dupla Luiz Reis e Haroldo Barbosa, lançado em 1961. Sua voz anasalada e metálica caiu como luva para vestir os trejeitos do homem que compreende as necessidades de sua amada e se submete a vestir-se tal qual o grande artista do circo: “cara de palhaço, roupa de palhaço, até o fim”. A música ainda recebeu versões feitas por gente do porte de Elizeth Cardoso, Ivon Curi, Isaurinha Garcia e de Dóris Monteiro.

“Máscara Negra” (1967) – Zé Kéti e Pereira Matos
A marcha composta por Zé Kéti se tornaria uma das grandes músicas cantadas por Dalva de Oliveira, e um dos últimos êxitos populares de ambos. Vencedora do carnaval daquele ano, a canção conta a antiga história dos laços amorosos entre Pierrô, Colombina e Arlequim. A diferença é que nos versos de Zé Kéti a trama ganha contornos líricos e suaves, aproveitando-se do grande talento do compositor. Além disso, Zé Kéti corrigia um erro histórico e dava nova chance a Pierrô, fazendo com que Arlequim fosse o rejeitado dessa vez. “Quanto riso, oh, quanta alegria!/ Mais de mil palhaços no salão”. Um sucesso carnavalesco!

“Aquele Abraço” (1969) – Gilberto Gil
Useiro e vezeiro em misturar as influências, ritmos e estilos, tropicalista por vocação e origem, baiano de nascimento e brasileiro até a espinha, Gilberto Gil é dos compositores mais ouvidos e repetidos por bocas e becos e lonas. Após a promulgação do AI-5 e em meio a um dos momentos mais tensos da ditadura militar, o compositor resolveu criar uma ode ao que havia de bom no país, homenageando, entre outros, o comunicador Chacrinha, chamado por Gil de “velho palhaço”, como, aliás, o próprio apresentador se reconhecia. Regravada por Tim Maia, a música se tornou um dos maiores sucessos da carreira de Gil.

“A História do Circo” (1972) – Batatinha
Gravado pela primeira vez em 1954 por Jamelão, o compositor e cantor Oscar da Penha, conhecido como Batatinha, era também um melodista afiado, capaz de, com uma simples caixinha de fósforos, construir a forma perfeita para suas palavras se encaixarem. Lançada por Maria Bethânia em 1972, “A História do Circo” dá uma prova: “Todo mundo vai ao circo/ menos eu, menos eu/ como pagar ingresso/ se eu não tenho nada/ fico de fora escutando a gargalhada”. A segunda e última parte é ainda mais cortante. “A minha vida é um circo/ sou acrobata na raça/ só não posso é ser palhaço/ porque eu vivo sem graça”. Foi regravada por Celso Sim.

“Valsa dos Clowns” (1983) – Chico Buarque e Edu Lobo
Baseado no poema homônimo de Jorge de Lima, o balé “O Grande Circo Místico” foi roteirizado por Naum Alves de Souza, que também criou os desenhos e figurinos. O espetáculo recebeu canções compostas por Chico Buarque e Edu Lobo, dentre elas a “Valsa dos Clowns”, que retratava dessa maneira a figura do palhaço: “Em toda canção/ O palhaço é um charlatão/ Esparrama tanta gargalhada/ Da boca para fora/ Dizem que seu coração pintado/ Toda tarde de domingo chora/ Abra o coração/ Do palhaço da canção/ Eis que salta outro farrapo humano…”. A música foi gravada por Jane Duboc.

“O Palhaço” (1991) – Cylene Peluso e Olívio Araújo
Mineiro do Vale do Jequitinhonha, Rubinho do Vale nasceu na pequena cidade de Rubim, no interior do Estado. Entre suas influências estão Elomar, Geraldo Vandré e Renato Andrade. Em 1991, o violeiro colocou na praça um dos discos mais emblemáticos de sua carreira. “Ser Criança” trazia, entre outras, a faixa “O Palhaço”, uma composição de Cylene Peluso e Olívio Araújo. Com versos simples e delicados, a cantiga logo se tornou um sucesso de Rubinho. “O palhaço é nossa alegria/ Qualquer hora de noite ou de dia / O palhaço vira cambalhota/ E sua bengala parece a letra J”, dizem os versos finais da canção.

Raphael Vidigal

Fotos: Imagem do palhaço Arrelia/Divulgação; e desenho de Adoniran Barbosa por Elifas Andreato/Reprodução.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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