Entrevista: O encontro de Louise Cardoso com Leila Diniz

“Toda mulher é meio Leila Diniz…” Rita Lee

Louise Cardoso protagonizou o filme "Leila Diniz"

“Nem de amores eu morreria, porque eu gosto mesmo é de viver deles”. A frase pertence àquela que se habituou a contrariar padrões e dar a volta nos clichês. Mais do que atriz, Leila Diniz tornou-se símbolo da liberação feminina em plena ditadura militar no Brasil, tanto que, em 1969, após uma polêmica entrevista recheada de palavrões ao jornal O Pasquim, foi outorgada lei que ficou conhecida como Decreto Leila Diniz, e que ampliava a censura do regime antidemocrático. Não adiantou, pois ela seguiu desfilando liberdade até 1972, a despeito de empunhar bandeiras ou palavras tidas como as de ordem.

Quinze anos após a trágica morte de Leila num acidente de avião em Nova Déli, na Índia, Louise Cardoso recebeu a missão de interpretar a artista na cinebiografia lançada em 1987 e dirigida por Luiz Carlos Lacerda, o popular Bigode, amigo íntima da homenageada, tanto que trabalhou com ela, por exemplo, em “Mãos Vazias”, na adaptação para o romance de Lúcio Cardoso. “Assim que o convite chegou, a primeira coisa que fiz foi procurar conhecer a fundo a Leila. Vi seus filmes todos mais de uma vez, li muitas entrevistas dela, conversei com pessoas que conviveram intimamente, e depois o diretor Luiz Carlos Lacerda me emprestou os diários dela. Aí pude saber quem realmente era Leila Diniz, sua maneira de pensar o mundo, como sentia as pessoas, suas opiniões, desejos, sonhos, medos”, relembra Louise.

PERSONAGEM
No elenco do longa-metragem, personagens históricos da cultura nacional são interpretados por Carlos Alberto Riccelli, na pele do cineasta Domingos de Oliveira, primeiro marido de Leila e que dedicou a ela o filme “Todas as Mulheres do Mundo”; Rômulo Arantes como Toquinho, com quem a protagonista namorou; e Antônio Fagundes interpretando o diretor Ruy Guerra, pai de Janaína, a única filha de Leila, e com quem ela estava casada quando faleceu. Além destes, Diogo Vilela aparece como o próprio Luiz Carlos Lacerda, e Marieta Severo e Tony Ramos dão vida aos pais da atriz.

Para interpretar a protagonista, Louise revela que se guiou através de várias informações. “Percebi pelos filmes que os movimentos da Leila em todos os personagens eram graciosos, redondos e que ela era bastante feminina, embora fora das telas passasse uma imagem de mulher muito à frente de sua época, falando palavrões e causando polêmica com suas opiniões libertárias. Também ouvi bastante as fitas com sua voz que a produção do filme me emprestou, não para imitar, mas para sentir seu timbre de voz e sua maneira espontânea de rir. Com todo esse material no meu subconsciente, procurei criar a minha Leila, o que eu sentia em relação a ela, e deixei que o mar, o vento e a areia das locações me inspirassem, além, claro, da orientação precisa que o Bigode me dava no dia a dia das filmagens”, explica.

REAL
Com carreira profícua na televisão, no cinema e no teatro, Louise Cardoso carrega uma longa lista de feitos. Antes de se destacar no humorístico “TV Pirata”, da rede Globo, ela participou de novelas como “Cambalacho” e “Marrom Glacê”. Já no teatro, atuou numa versão para o clássico “Um Bonde Chamado Desejo” de Tennessee Williams, enquanto no cinema participou de “Se segura, malandro!”, dirigido e protagonizado por Hugo Carvana, “Cabaret Mineiro” e filmes dos Trapalhões, entre outros. “Leila Diniz” foi a segunda vez que Louise interpretou uma personagem que existiu, precedida pela experiência de “Baixo Gávea”, filme em que ela vive uma atriz homossexual que interpreta o poeta português Mário de Sá-Carneiro, numa espécie de metalinguagem. “A grande diferença é que com o personagem fictício você não tem referência nenhuma anterior, e começa a criá-lo do zero, baseado na situação e no contexto em que ele está inserido. Já o personagem que existiu você tem que primeiro conhecê-lo a fundo, estudar todas as referências e depois criar a sua visão hoje desse personagem real, e não imitá-lo”, conceitua.

O recente aumento de filmes dedicados a figuras reais, que o diga as cinebiografias de Elis Regina, Cazuza, Chacrinha, Pixinguinha, e outras mais antigas como as de Xica da Silva, Garrincha e Luz Del Fuego, decorre, na visão da atriz, de uma curiosidade natural. “O público que conhece ou já ouviu falar do personagem real tem esse interesse em rever hoje em dia uma pessoa que foi tão familiar no passado ou que seus pais falavam tanto, no caso dos jovens, porque as pessoas públicas são como íntimas para nós, alguém da família, e, por isso mesmo, suscitam amor e ódio”, observa.

Leila Diniz foi interpretada no cinema por Louise Cardoso

Raphael Vidigal

Fotos: Divulgação e Arquivo.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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