“Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra aí é que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.” Clarice Lispector
Parece fora de moda dos palcos de BH a temática do amor e suas imbricações, ainda mais quando se trata de uma relação convencional a dois, neste caso, entre uma mulher e um homem. Se a história parece repetida, a abordagem dispõe de um delicado trabalho. É essa delicadeza a que se permite que ganha maior destaque em “Nosso estranho amor”, com direção de Cláudio Dias que tece um sensível panorama das confissões – através de silêncios – dos desencontros – por meio de toques e gestos – e, sobretudo – das turbulências da paixão, de caráter tanto construtivo quanto de destruição, com uma satisfatória ilação entre dança, sentimento e sensações. A simplicidade dos objetos cênicos não impede que, criativamente, tornem-se elementos que carregam ao teatro a aura da fantasia e, principalmente, da possibilidade. Se este é o campo da imaginação aqui a liberdade tem a premência de se ofertar.
A dramaturgia de João Valadares, inspirada em textos de Samuel Beckett, é outro fator positivo na montagem, pois as palavras são combinadas com versos de Caetano Veloso e evitam a decaída no terreno do piegas ou do exagero que, em narrativas desta natureza permanece tão à espreita; é um exercício de medição que requer consciência cênica e percepção aguçada das poéticas ali estabelecidas: literatura, música e dança. A atuação dos jovens protagonistas João Valadares e Piera Rodrigues exibe certa insegurança e hesitação naturais à idade. A escolha de uma trilha sonora ao vivo, executada por Paulinho do Boi e Clarice Rodrigues garante calor às cenas e se torna mais responsável pelos climas por quais o espetáculo tem de passar do que iluminação, figurino e cenário, aqui, corretos, exceção feita às vestimentas destinadas para a protagonista, que determinam inferência mais direta sobre a montagem. Ainda que encontre espasmos e convulsões permanece na peça a balda do delicado.
Ficha técnica
Dramaturgia de João Valadares.
Direção de Cláudio Dias.
Com João Valadares e Piera Rodrigues.
Trilha Sonora ao vivo: Paulinho do Boi e Clarice Rodrigues/Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho/Cenário e Figurino: Luiz Dias/Preparação vocal: Iolanda Camilo/Costureira: Solange Otto.
Raphael Vidigal
Fotos: Junio Souza.