“Você olha um relógio. Ele funciona, mostra as horas. Você tenta compreender como ele funciona e o desmonta. Ele não anda mais. E no entanto essa é a única maneira de compreender…” Andrei Tarkovsky
Há pessoas que morrem para tornarem-se eternas, e há outras que nascem para isso. Andrei Tarkovsky viveu somente 54 anos, o suficiente para determinar-se como um dos mais relevantes cineastas já surgidos na Terra. Natural de uma aldeia do interior da Rússia, sua morte precoce, em Paris, é, até hoje, cercada de controvérsias, tendo-se atribuído o câncer que ele, sua esposa, e o ator principal do filme, Anatoli Solonitsyn desenvolveram a uma contaminação química adquirida nos locais de gravação do longa-metragem “Stalker”, um dos mais enigmáticos do diretor. Aliás, a película é exemplar no que tange às características preponderantes do cinema de Andrei. A capacidade para realizar através de imagens pensamentos críticos e complexos, permeados por uma adesão poética do espaço sem, com isto, anular aspectos inerentes a condições por definição matemáticas, e que buscam explicar a nossa existência, como expressões da física e das ciências.
Isto porque a principal condicionante da arte de Tarkovsky é o tempo; é com ele que o cineasta molda nossa percepção tanto do ponto de vista do conteúdo quanto da estética. Auxiliado por essa ferramenta única, Andrei soube explorar como poucos esse recurso a favor da história que contava e que, por conseguinte, nunca se esgarçava ou limitava-se a uma história, mas a várias, amplas e desdobráveis, com a mesma magnitude e magnetismo que a artista plástica Lygia Clark usou para criar os seus “Bichos” no Brasil, no período da arte neoconcreta e da Tropicália. Essa possibilidade atravessa os diferentes momentos de sua cinematografia que, embora curta, ou até valendo-se, mais uma vez, do espaço de tempo que lhe foi reservada, possui unicidade incomum. Como em “Stalker”, o impressionante “Solaris” parte da ficção científica como pano de fundo para elaborar filosofias tão belas quanto angustiantes. E é a beleza, no final das contas, o legado da vida de Tarkovsky.
Raphael Vidigal
Fotos: Arquivo e Divulgação.