Crítica: “Urgente”, nova peça da Luna Lunera, deflagra opressões do cotidiano

“Daqui a vinte anos: poderei
tanto esperar o preço da poesia?
É preciso tirar da boca urgente
o canto rápido, ziguezagueante, rouco,
feito da impureza do minuto” Carlos Drummond de Andrade

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Existe o tempo circular, e o cronológico. Algumas coisas se repetem, outras mudam. Em seu novo espetáculo a Cia Luna Lunera traz Zé Walter Albinati de volta aos palcos, e arrisca parceria inédita com a Areas Coletivo de Arte, o que resulta na direção de Miwa Yanagizawa e Maria Sílvia Siqueira Campos, também participantes no texto com a trupe lunática e do cenário, junto de Yumi Sakate. A ousadia revela-se exitosa. Permanece, como de outras montagens e que se estabelece a cada nova peça como identidade da Luna Lunera a investigação das emoções e razões humanas, numa abordagem predominantemente existencial que não exclui contanto aspectos políticos, sociais e estéticos, sobretudo. A iluminação de Felipe Cosse e Juliano Coelho, o figurino e o cenário conseguem ótimas soluções para emoldurar o conteúdo. “Urgente” parte da vivência de cinco personagens que têm algo em comum para além do espaço compartilhado. Os atores trafegam entre fantasias reais.

Embora nitidamente díspares elas unem-se como num mosaico, em que o fato de possuírem as mais diferentes origens, tamanhos e cores é o que as aproxima e refrata, novamente numa perspectiva de tempo redondo, mas também retilíneo e uniforme. São estas rachaduras que lhes sustentam as experiências trocadas. A dramaturgia procura estabelecer um contato direto, mas não didático com o espectador. Eventuais “barrigas” tendem a gerar incômodo, no entanto podem acalmar o coração dos mais aflitos, abertos e dispostos. Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo Souza e Silva, Odilon Esteves e o pontual Zé Walter transitam com domínio e habilidade entre o tom mais despojado e o expressamente marcado pela atuação. A ambientação sonora do grupo “Constatina” é um dos destaques. “Urgente” deflagra opressões do nosso cotidiano e exibe o quanto a solidão se impõe nessa vida em sociedade. Cumpre o papel mais nobre do teatro, leva à reflexão, diverte e emociona.

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Raphael Vidigal

Fotos: Raquel Carneiro/Divulgação.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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