“ – De que me vale ter casa sem ter mulher amada dentro?
Permiti que eu sonhe com uma que ame andar sobre os montes descalça
E quando me vier beijar faça-o como se vê nos cinemas…
O ideal seria uma que amasse fazer comparações de nuvens com vestidos, e peixes com avião;
Que gostasse de passarinho pequeno, gostasse de escorregar no corrimão da escada
E na sombra das tardes viesse pousar
Como a brisa nas varandas abertas…” Manoel de Barros
Só pode comparar Domingos Oliveira a Woody Allen quem nunca assistiu aos filmes de François Truffaut. Talvez este seja o principal equívoco da documentarista Maria Ribeiro ao contemplar seu ídolo no longa-metragem “Domingos”, dirigido por ela em 2011. O próprio cineasta desmente a fã. Ao enumerar as influências cinematográficas detém-se em 3 nomes fundamentais. Godard, que lhe “ensinou a liberdade, embora não tenha grandes filmes”; Fellini, “o maior de todos, que não filmou a vida, filmou o mistério”; e François Truffaut, “que me ensinou que posso usar música clássica em cenas do cotidiano”, afirma. Porém, a própria resposta de Domingos é traiçoeira.
O fato de ter passado a protagonizar os próprios filmes ao longo da carreira, assim como o citado diretor norte-americano, é ainda uma gota no oceano de similaridades ao se analisar a forma e o conteúdo das produções de Domingos e Truffaut. Não é apenas no uso da música erudita em passagens aparentemente banais que registra esses pontos de encontro. Sobretudo, a temática, centrada na veneração pela mulher e na escolha do amor como a principal dimensão da existência humana. Os títulos de suas obras mais conhecidas comprovam a tese. Truffaut era “O Homem que Amava as Mulheres”; e Domingos ainda é o homem de “Todas as Mulheres do Mundo”.
O relato autobiográfico, presente na cinematografia de ambos, também se imiscui num amor leve, alegre, a despeito de trágico; a presença quase constante do adultério não anula a paixão em desfrutar as delícias da vida, e o olhar carinhoso, terno, até certo ponto otimista para o semelhante. Essa abordagem que mantém uma qualitativa distância em relação aos típicos romances sonsos das “comédias água com açúcar”, mas que não chega a se contaminar com as próprias asperezas que enfrenta, é provavelmente a grande responsável pelo poder de identificação junto a um público restrito, porém fiel. O tal carisma de que se fala sobre os grandes líderes e grandes artistas.
Ambos arriscam inovações formais, (sem nunca abrir mão da história que contam) quase sempre pautadas pelo senso de humor, por uma fina ironia que não alcança o deboche, mas que ressoa naquele espaço entre o carinho romântico e a graça para conquistar alguém. No fundo, a impressão que passam é que não querem conquistar os críticos, nem os espectadores, muito menos provar para si a própria capacidade; mas o coração de uma mulher. Como se estes filmes pudessem ser oferecidos como uma rosa ou uma barra de chocolate. Tanto que as musas embaralham-se e permanece o olhar apaixonado; para Leila Diniz, Fanny Ardant, Priscilla Rozenbaum, Jeanne Moreau, Claude Jade e todas as mulheres do mundo.
Raphael Vidigal
Fotos: Domingos Oliveira; e François Truffaut, respectivamente, em registros de arquivo e divulgação.