“Um romance não devia começar nunca a partir dos sentimentos. Um romance devia começar com ciência e terminar com um acordo.” Oscar Wilde
Não raro um jogador de futebol confirma sua habilidade em campos esburacados. Essa imagem, reflexo do Brasil, useiro em tornar a dificuldade mola para seu trampolim, aplica-se à estreia de Luiz Fernando Guimarães na televisão paga. “Acredita na peruca”, ideia original do protagonista, reitera o talento de Luiz Fernando pelas faltas que apresenta.
Dirigido e roteirizado pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, especialistas em musicais bem recebidos pelo público, o programa oferece texto calcado no humor físico, onde as trocas de farpas entre as personagens raramente ultrapassam os trocadilhos, as colocações que sublinham estereótipos ou as alusões a fatores da moda, numa tentativa de modernidade pouco eficaz. Nesse contexto, Eucir de Souza, um bom intérprete, fica vendido.
Para os atores que ciceroneiam o protagonista, resta esse papel. Estão lá todos os “tipos” já vistos e revistos na televisão. O servo afeminado, a travesti insultada, a filha rejeitada, a gostosa burra e a maquiavélica, o galã que mal dança e uma mãe pra lá de deslocada. A fragilidade das situações construídas soa como pano de fundo para a repetição dos conflitos já existentes. A graça, no entanto, aparece quando Luiz Fernando Guimarães, caracterizado como mulher ou homem, toma a palavra.
Com sua respiração, sua pausa, suas gargalhadas em meio às frases, a dicção e os improvisos, reitera sua incrível condição de humorista, capaz de driblar as adversidades como um futebolista que tem as pernas tortas. Com um tesouro desses nas mãos lapidar o texto para que o humor irônico, incorreto e debochado que Luiz Fernando tão bem representa é fundamental para que a graça ganhe ressonância e permaneça na memória por um tempo a mais, não apenas o instante do tombo, mas por seu poder de crítica e desabafo, o que tende a ampliar a diversão.
Raphael Vidigal
Fotos: Divulgação.