Análise: Odete Lara, mas beleza é fundamental

“As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental” Vinicius de Moraes

Odete-Lara

Provavelmente foi antes de cantar com Odete Lara que o poeta Vinicius de Moraes pediu desculpas às feias para vaticinar: “mas beleza é fundamental”. O certo é que ao conhecê-la teve ainda mais certeza do ditado, com o qual caminhava ao lado do uísque (melhor amigo do homem), seu “cachorro engarrafado”. A beleza de Odete Lara foge da banalidade do mero adereço. Quando Odete Lara olha para a câmera, quando a luz sobre ela molda o decote, os quadris e o colo, quando o ventilador ou as puxadas de mãos bagunçam aqueles cabelos loiros, temos a chance de compreender mais sobre a paixão, mais sobre os desejos, a agonia, o êxtase, o desespero, o tédio, o medo e o melodrama. Esse processo que não é consciente, mas sensorial, pode acelerar os batimentos cardíacos, pois a partir do enfeite nos são reveladas dimensões, qualidades, mistérios da existência humana. Quando Odete Lara se oferece para a câmera ela está toda nua para este mundo, com os brincos e as suas entranhas.

A velhice não foi capaz de arrasar a beleza de Odete Lara, centrada em conflitos éticos, não só estéticos. Nela se combina a harmonia visual da superfície, da simetria grega dos olhos, do busto, da boca, com a carga emocional conferida às personagens que interpretou em filmes do cinema novo (“O Dragão da Maldade Contra O Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha), da chanchada (“O Gato de Madame”, estreia ao lado de Mazzaropi), adaptações de textos de Nelson Rodrigues (“Boca de Ouro” e “Bonitinha, mas Ordinária… ou Otto Lara Rezende”, de Nelson Pereira dos Santos e J.P. de Carvalho, respectivamente), além do drama “Noite Vazia”, de Walter Hugo Khouri, e da comédia “Copacabana, me engana”, de Antônio Carlos da Fontoura, com quem foi casada. Odete as urde com compaixão, ela se aproxima e nos leva junto, sem confundir suturas a estrebuchar, apesar das evidências da vaidade e das cicatrizes pessoais. Da mesma maneira na bossa nova, em que o clima leve das canções era embalado por sua voz triste, sutilmente rouca, encorpada. Vinicius já conhecia desde o princípio o fundamento da beleza de Odete Lara.

Odete-Lara-analise

Raphael Vidigal

Fotos: Cenas dos filmes “Bonitinha, mas ordinária… ou Otto Lara Rezende”, e “A Rainha Diaba”, respectivamente.

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Raphael Vidigal

Formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atua como jornalista, letrista e escritor

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