“As paredes azuis, cor da roupa dos anjos, desdobram-se nas lajotas vermelhas de cerâmica,” Luiz Ruffato
Deitado em uma rede branca que se balança entre os cocos da praia e as tiras do Diário de Notícias que ele precisa entregar, Oscar da Penha sente o sol abafado que a vida traz. Quando ele lhe dá um descanso e lhe oferece uma pequena sombra perto do mar, Oscar caminha até o encontro de Antônio Maria e lhe apresenta seu primeiro samba. Desse encontro nasce seu apelido que o tornaria conhecido de bambas da Bahia como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil e outros um pouco mais distantes como Chico Buarque, Jair Rodrigues, Paulinho da Viola e Jamelão. Ele que tinha começado imitando outro crioulo conhecido como Vassourinha finalmente tinha a chance de mostrar ao mundo as contradições do amor. As contradições da vida. Ele que por muito tempo caminhou sob sol a pino sem chance de nenhuma água, e por isso bebia a que ele próprio produzia e que recebia diretamente de seus olhos salgados e sensíveis. Olhos que eram enxugados por toalhas da saudade e que já eram diplomados em matéria de sofrer. Quando na Bahia se produzia um samba batata, com uma poesia requintada e triste, seu nome logo se ouvia: Batatinha.
“Tenho ainda guardada
Como lembrança do carnaval que passou
Uma toalha bordada, que na escola de samba
Um lindo rosto enxugou”
Tens o sorriso abatido e os olhos marejados Batatinha. Aqueles olhos caídos de quem sabe que o sofrimento é um costume e a felicidade passageira como o carnaval. Mas o mar da Bahia bate seu sofrimento na areia, ele se arrebenta e se transforma em mais grãos de areia. Na imensidão branca de frente para o mar ou em cima de sua cabeça percebemos a diferença. A areia é branca, seus cabelos são brancos, mas sua pele é negra e seu coração sofrido tem a cor da poesia mais bonita: uma cor sem distinção, uma cor indefinida, uma cor que é somente sentida.
“O que é que eu posso fazer
Se a esperança não quer se afastar do meu peito
Se a consciência me diz
Que o meu direito é ser feliz”
A tristeza arrastada de Batatinha e sua voz resignada pela dor de sua poesia carregavam em cada fio de cabelo branco que ele trazia na cabeça um fio de esperança que o conduzia pelas estradas de areia da sua Bahia. Batatinha lutou para ser reconhecido como compositor e para ser reconhecido pelo amor. Casou-se com Marta e teve nove filhos, mas continuava sofrendo das dores que não avisam a hora de partida. Foi gravado pelos maiores nomes da música brasileira, implementou elementos da capoeira no samba de raiz, inventou o samba-receita e foi elogiado por grandes críticos, mas continuava desconhecido e só conseguiu gravar dois discos em vida. Aquele negro terno de canto vagaroso e preguiça singela seguiu fazendo seu samba com pureza e nostalgia, e hoje somos nós que os temos: o samba de Batatinha e a nossa nostalgia.
Raphael Vidigal
Lido na rádio Itatiaia por Acir Antão em 08/08/2010.
15 Comentários
“Ele que por muito tempo caminhou sob sol a pino sem chance de nenhuma água, e por isso bebia a que ele próprio produzia e que recebia diretamente de seus olhos salgados e sensíveis”
“Aquele negro terno de canto vagaroso e preguiça singela seguiu fazendo seu samba com pureza e nostalgia, e hoje somos nós que os temos: o samba de Batatinha e a nossa nostalgia”.
Você transmitiu mto bem o sentimento de dor q o próprio Batatinha parece passar através de suas músicas.
Principalmente nesses dois trechos! eu acho
Parabéns!!!!!!!!!!!!!
Boa noite cumpadre, eu nunca ouvi falar en Panela y no youtube nâo ha nada, vôçe poderia mi..dar informaçâo ? Obrigadinho.
Que lindo!!! Compartilhadíssimo… rsss…
Li com muito interesse essa matéria sobre o Batatinha porque tenho um amigo japonês que reside em Tokyo que é fã desse cantor/compositor e toda vez que vem ao Brasil garimpa os discos dele. Eu aqui em São Paulo nunca tinha ouvido falar dele. Parabéns pela matéria.
pow Raphael Vidigal vc cavuca cada um, kkkk, muito boa informação, abzzzzz
Adoro Batatinha: “É carnaval… É hora de sambar!
Peço licença, ao sofrimento,
Depois eu volto pro meu lugar…”
“Todo mundo vai ao Circo, menos eu, menos eu, como pagar ingresso se eu não tenho nada, fico de fora escutando a gargalhada…”
as lindas vozes já se foram!!!!
Maravilha!!! Parabéns e obrigada por compartilhar essas jóias raras!!!! Beijão!!!
Batatinha ainda é vivo? Era bom no samba baiano assim como Adoniram Barbosa e Paulo Vanzolini o eram no samba paulista.
O conheci num “samba” quase em frente ao Elevador Lacerda. Era bom e respeitado seja o músico ou cidadão.
Abraço do SOUTO MENOR
Vamos de samba!!
lindo demais o batatinha!
Que maravilha! Adoro! Vou ler e compartilhar.