“Detesto coisas dignas, impecáveis, engomadas, lavadas com anil: aceito nos outros, levando em conta, inclusive, o tempo em que foram feitas. Mas não é mais tempo de solidez: a literatura tem que ser de transição, como o tempo que nos cerca.” Caio Fernando Abreu
Uma rosa num copo d’água. Mesmo que não haja motivo, sombreei cravos presos, botões de rosa já sem vida. Abraça-me na minha carência. Estou me tornando cada noite mais cobra-coral. A gente está incrivelmente sozinho nosso mundo. Tenho os olhos hirtos, pedregulhos massageiam-me a barriga deslizante entre musgos e muros. Na hora do despedaçar da rosa, quando não flui o perfume. Amor já não adianta nada. Ou tudo.
Uma rosa azul desbotada.
De tanto verde-murcho, sentida.
Em canto de fadas, seringas.
Manto-véu desprende-se e encobre-lhe os seios.
Dança do vento suplica mímica em tessitura das cores.
Dor ao relento: maremoto.
Diga ao revolto: me movo.
Amarelo ocre de paisagens serenas, parcas.
Claves claras manhãs cavas.
Exíguas sugestões de colo pastando sob o sol de maio.
Rubras lembranças.
Boninas aventuranças.
Bonitas mãos dadas em sentinelas esguias, esbeltas, escoltadas pela paixão da vida-esperança.
Dádiva atingida.
Realçada em amarras de fitas sugeres os beijos de frente e de lado.
Violetas canções onde não se pregam dedos que encurralam’alma.
Receios, desmedidos, consentimentos surgidos surtindo efeitos em vidros.
Espalhadas uma a uma raízes e cruzes. Perplexo. Reafirmar esse amor em desuso, de desgaste e ressabio. Impotente E Atônito Diante À Imensidão Da Beleza. Em que repouso tranqüilidades biltres e amenas. Não se empresta amor, espalha-se. Qual pétalas que se entregam ao poder do invisível. Guiadas pelo vento, areia e vertigem. Não vou poder completá-la em todas as suas carências porque eu também sou Incompleto.
Uma rosa azul incompleta. Esvai do mundo. Vazia a tarde de quem ao jardim segue para encontrá-la. Pois ela agora se encontra em toda parte onde não haja o toque; a compreensão; a sede de vida. Morte é um revolto-relento sem chuvas. Cravada de espaços flutuantes em todas as interjeições suicidas. Inaudíveis. Dum silêncio que fatalmente não se possa ouvir, e acaricie em sua vastidão extrema-ausente.
Rosa azul desbotada. Tripartida. Suave rosário. Folhas verde-musgo. Caule lilás na terra. Esse desajeitado deselegante passar de mãos nos cabelos remexidos bucolicamente. Fruto de prosa caótica & poesia fragmentada a rosa tremula fresca. Somente a procissão e martírio de Venâncio e Curumba, capaz de provar o gosto da rosa, amarrada ao pé da cajarana.
Um diálogo meio espantado. Entre flores inacabadas. Repousam na superfície rasos vasos de plantas e insetos que remam nas águas intoxicadas pelo lodo. São eles os que prosseguem na natureza? Onde está a pequenina rosa roxa (que não se pode achar)?
A memória é tão traiçoeira
Que rouba-nos o que já não nos pertence
Quando se apaga em vela
Deixando réstias ininteligíveis
Na vitrola “Rosa do mar” de Capiba. A alegria não me diz nada, sequer sussurra. Esfuzia vazios vidros que tremem à luz colorida.
Harpas harpias
Internos alardes
Mar em desvio
Romarias pagãs
Rotas rotas
Calmaria sã
Saudades.
Embrulhadas pelo alumínio de uma rosa azul. Circunscrita. Entregue na necessidade de se eclodir. A flor que nasce sem licença. Parte da mesma maneira. Parte, quebra o caule, prega pequeninas peças. Incólume pregação. Surto? Sentido? Atarracado em meio aos limites de uma rosa azul.
Que se despedaçou.
E aqui, me deixou.
Mixo.
Sem compromisso.
Com a irretocável clareza de ruge que a natureza
Obriga a se disfarçar em maneiras,
Altaneiras,
Folhas de laranjeira,
Maquiagem além do Tom
(desfile de cores sem som).
Nos alpendres vejo A Noite Do Meu Bem de Dolores Duran
Nos compêndios toca a nona sinfonia sonata de Beethoven
Suga a doce Inquietação de Sivuca
A verdade que não consigo achar o Desejo.
Fugacidade; Inadequação; Sobrevida.
Escrevo de cima dessas rochas suspensas. Neblina nos meus ombros, com cabelos loiros encaracolando por todos os lados.
(Temas para um conto caipira chorado à voz e viola latejante de Rolando Boldrin).
Sopro. História Sobre O Vento.
Saltita fincando espinhos e afundando nuvens.
Rosa azul amarela lilás.
Flor de jambo palmeira do cais.
Incapturável, livre.
Transparente.
Não há palavras capazes de decifrá-la.
Voo de pétalas…
Raphael Vidigal
Pinturas: “O Violinista Azul”, e “Equestrienne”, respectivamente, de Marc Chagall.
Publicado originalmente no blog “O Ovo Apunhalado” em 07/11/2011.
6 Comentários
“Pois ela agora se encontra em toda parte onde não haja o toque; a compreensão; a sede de vida. Morte é um revolto-relento sem chuvas. Cravada de espaços flutuantes em todas as interjeições suicidas. Inaudíveis. Dum silêncio que fatalmente não se possa ouvir, e acaricie em sua vastidão extrema-ausente.”
“Um diálogo meio espantado. Entre flores inacabadas. Repousam na superfície rasos vasos de plantas e insetos que remam nas águas intoxicadas pelo lodo. ”
“Flor de jambo palmeira do cais.
Incapturável, livre”.
“Vôo de pétalas”
A única forma de fazer um comentário feliz é mostrando a vc suas próprias palavras, sua própria doçura ao conduzi-las.
Apaixonante!
Oi Raphael,
Só hoje tive tempo para ler com calma
seus 02 contos…
Nossa, gostei demais, são muito bons!
Você evoluiu muito nas obras literárias
e realmente, será uma pena se não fizer
dos seus contos um livro.
Parabéns, estamos orgulhosos de você!
Beijos,
Maria Inês e Eduardo
Ta lindo esto, no me traduce pero algo entendí dejo un saludo muy respetuoso.-
Me emocionei…lembranças…saudades…e admiração pelo poeta que vi nascer!
Cuando vi el título Rosa Azul me gustó mucho paso a fijarme y y me encuentro con pinturas muy bellas y poemas muy bello todo!!!!!
😉